terça-feira, 27 de setembro de 2011

História e Narrativa: As Influências da Historiografia na Escrita da História

Anderson Rodrigues

A História pode ter inúmeros significados e atribuições, porém estas não podem fugir do compromisso com a verdade. A narrativa histórica, principalmente nos dias de hoje se vê em uma grande encruzilhada. Existe uma cobrança com a estética do texto com um intuito de ser tornar atrativo, porém o compromisso com a veracidade ainda perdura.
A busca de um passado real foi, mesmo de maneira suposta, um dos maiores desafios para o historiador. A busca dessa realidade do passado veio sempre atrelado a uma suposta verdade. Verdade essa para um historiador, não alcançada em concepções historiográficas que estão anteriores ao seu respectivo tempo. Em suma o historiador tinha ou tem o hábito de acreditar que a historiografia feita em seu tempo terá sempre um cunho de maior veracidade em relação aos trabalhos historiográficos produzido anteriormente.
Mas será mesmo que o nosso tempo é dono da verdade? Será que um historiador, embora, tenha esse compromisso realmente conta a verdade? Se contarmos a verdade, então onde ficam nossas interpretações do fato?
Para se começar a responder essas três interrogações supracitadas acima, temos que de inicio nos ater a dúvida como enceto de todo o conhecimento, sobretudo àqueles que se remetem ao estudo do passado. Temos que ter a consciência de como e por quais motivos o historiador que escreveu anteriormente ao meu tempo obteve tais conclusões. A historiografia estará sempre presa as limitações de quem escreve, pois numa pesquisa histórica ainda de maneira involuntária colocamos nossos medos, esquecimentos (recortes), traumas, anseios, julgamentos, interpretações dentre outros.
Talvez, eu, neste momento seja um tanto pretensioso, porém me arrisco afirmar que todos esses motivos estão presos e subjugados a existência de um fator no qual, esteve sempre presente e inerente a todo ser humano: o tempo.
Toda a história é fruto do seu próprio tempo. Somos influenciados pelo anseio de nossa sociedade, por isso, ao resignificar um fato do passado levamos em consideração as respostas que nós, e a sociedade, ansiamos tê-la. A explicação do passado estará sempre na mão do historiador.
O exemplo maior disso se faz presente quando, ainda se há discussões sobre o holocausto sofrido pelos judeus na Alemanha. Mesmo com provas físicas das ferocidades sofridas pelo povo judaico em campos de concentração existe uma corrente que se diz, contraria ao fato desta violência. Então, onde está a verdade? Os revisionistas do holocausto quando não negam a sua existência se remetem a seguinte tese: o porquê de continuarmos colocando o fardo da culpa pela violência no povo alemão que, estava apenas em busca da reconquista de sua dignidade perdida desde primeira guerra mundial.
Ao falar de guerras é quase que, indispensável nos remetermos ao campo da historia dos vencedores em relação aos vencidos. Para ser bem breve com esse pensamento, vou utilizar-me, mais uma vez, de pretensão para uma boa persuasão. Vamos imaginar que o resultado da segunda guerra mundial fosse outro. Vamos nos ater a imaginação que os países do eixo (Alemanha, Itália e Japão) conseguissem triunfar sobre os aliados e, sobretudo os EUA. É totalmente imaginável que a conjuntura do mundo seria totalmente contraria a vivida hoje. A história seria contada de acordo com o olhar dos vencedores e no caso do holocausto, seria explicado de acordo com a visão e o anseio alemão.
 Poderia citar inúmeros exemplos de que a história é, na maioria dos casos, dos vencedores. Mesmo quando temos o privilegio de possuirmos relatos vivos de pessoas no qual, viveram os grandes fatos da história, ainda sim não temos a suposta verdade absoluta.
Sobre isso temos que observar de maneira consciente que, “nossos relatos estão presos a nossa memória”. Ao dizer isso talvez, posso me parecer, um pouco obvio demais, mas ao falar da memória não me remeto apenas àquela esquecida involuntariamente pela situação de sermos seres humanos e, portanto cheio de falhas ocasionadas pela nossa mortalidade. Temos de ter a consciência que ao enfatizar um discurso de um memorando e colocá-lo como uma verdade absoluta estamos assim, esquecendo qualquer outro ponto de vista contrario a essa narrativa.
Esse outro ponto de vista pode ter ocorrido com pessoas que também estiveram e viveram o fato, apenas naquele momento não estão lá para contar a sua forma do acontecimento. E nós estudantes do passado, de maneira puramente arbitraria colocamos o relato do vivido como a grande veracidade.
Com novos estudos sobre verdade, memória e história a visão do historiador no decorrer do tempo vêm mudando. A relativização do fato a cada dia se torna mais presente. Não estou dizendo com isso que atualmente o historiador se omite em contar fatos, mas que, ele hoje tem uma maior consciência de que seus escritos não são, de maneira nenhuma, verdades absolutas.
Um dos autores mais estudados na pós-modernidade é um dos maiores responsáveis para essa dúvida das verdades históricas, estou falando de Friedrich Wilhelm Nietzsche. Ao por em dúvida as verdades do seu tempo, Nietzsche é estudado de maneira resignificativa, quando estudamos a verdade histórica. O próprio filósofo afirma que ao contarmos o passado “não passamos de querer impor nossa vontade de poder e o que existe não é o fato, mas sim as interpretações dele”. Poderia aqui citar e explicitar exemplos de inúmeros autores que mesmo contrários as teorias nietzscheanas contribuíram para trazer a tona tudo que foi exposto acima.
Ao estudar isso o historiador ao construir sua narrativa não se atém a uma busca incessante de uma verdade única, mas sim existe uma procura pelas “verdades”. É obrigação do historiador mostrar as diferentes formas de contar a história e ter a noção que todas elas estão sendo influenciadas pelos fatores já aqui abordados.
É importante nesse momento ressaltar que, apesar de toda negação da verdade absoluta do fato trazida nos tempos de hoje, ainda é obrigação do historiador tentar chegar a um nível de explicação do que está sendo abordado. Para isso, ele se utiliza de sua maior arma a narrativa.
O método narrativo, portanto serve para o historiador como um elo entre sua pesquisa e o leitor. Sobre o grande desafio do uso da narrativa histórica podemos citar dois grandes autores muito reverenciados hoje pela intelectualidade são eles: Paul Veyne e Paul Ricoeur. Com Veyne percebemos a questão da causalidade, ou seja, a situação de causa e efeito negada pela escola de Annales. Segundo Veyne quando procuramos as causas para um acontecimento explicamos a mesma de forma mais penetrante e precisa. Quando negamos a causa e efeito e nos remetemos a uma espécie de história mais problemática e explicativa estamos fazendo diz Vayne: “explicar mais é contar melhor, e de qualquer modo não se pode contar sem explicar”. De acordo com isso a explicação do fato é sujeita à narrativa.
Ao estudar essa questão da narrativa em Paul Ricoeur somos convencidos que ao narrar o fato buscamos dar a ele o significado teórico. Com Ricoeur a discussão da temporalidade na narrativa é bem interessante. Ele explica que um relato do passado é tido com o uso da narrativa ao contar fatos. Porém estes não podem consistir como a maior verdade. O relato também pode causar interpretações errôneas da intenção primeira, contada pelo relator.
 Para encerrar esta pequena abordagem sobre Ricoeur, ressalto a relação da temporalidade com a narrativa. A função da narrativa é, também, de dar um caráter temporal a vida. O nosso tempo humano, só se figura como tal, a partir do momento que fazemos uso da narrativa para explicá-lo. Em suma: a explicação do que somos, de onde estamos e a causa disso só podem ser explicadas de acordo com a temporalidade, mas, esta só se faz possível quando se faz uso da narrativa.
Tenho a impressão que o estudo e as discussões sobre a veracidade histórica e as temáticas que existentes em sua volta, nunca chegarão a um fim. Vejo essa abordagem de forma primordial para não deixarmos a mais linda das ciências cair em uma mesmice. Diante do exposto, acredito que, ninguém poderá afirmar que a história é algo morto e estático. A cada releitura e novas descobertas modificamos a interpretação do passado e, com isso, reformulamos o presente.
Isso que é fantástico na História, não se ater pelo menos de forma parcial, a questões físicas. A discussão é sempre válida para se manter viva o estudo histórico. No dia em que se acabar as discussões históricas não teremos mais motivos para se estudar o passado.

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