quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Roda Viva - Diálogos Sobre o Tempo

Rafael Santana Bezerra

                A imaterialidade que nos move ao futuro parece-nos, hoje, tão simples e natural. O compasso das alterações de seus minutos é personificado numa perfeição matemática que impressiona os ociosos. É a onomatopéia do progresso, tic-tac. Somos condicionados a senti-lo, quase adestrados a não concebê-lo de outra maneira. Os segundos dos semáforos atordoantes, caos da superpopulação metropolitana, é o tempo moderno, rasteiro, era da vivencia.
            Roda Viva encorpa-se num emaranhado de musicais de protestos políticos. A força exercida pelo Regime Militar produziu inevitavelmente uma espécie de contra-poder, letras tão significativas que superavam canhões. Inúmeras produções acadêmicas propõem com maestria essas análises da obra de arte em sua funcionalidade política. Afastando-me um pouco destas perspectivas, talvez, com uma errônea ousadia, gostaria de estabelecer uma breve interpretação das significações do tempo histórico neste período.
            A História não se repete. Talvez esta seja uma das máximas teóricas mais obedecidas. A elasticidade dos conceitos historiográficos produz a impressão nos ingênuos de uma igualação dos acontecimentos. Um erro que ignora o instante como um relâmpago que ilumina os passos da História, e que, imediatamente se esconde na escuridão do desconhecido. O fato histórico é somente esta partícula, visível por um momento, essa faísca do conhecimento acessível, ou ainda, um tempo saturado de agoras, de instantes.
Todas essas modernizações das ações humanas perpassam, quase que inevitavelmente, na ilusão da discriminação do estado de não-razão. Ou, ainda sob os moldes do racionalismo Hegeliano: O único pensamento que a filosofia traz para o tratamento da história é o conceito simples de razão, que é a lei do mundo e, portanto, na história do mundo as coisas acontecem racionalmente (A Razão na História p.53). Estabelecer unicamente a racionalidade como movimento humano histórico é predizer o sentido de predestinação.  
O sentimento é a forma inferior em que se pode existir qualquer conteúdo mental (p.58). Hegel ignora, absurdamente, vale ressaltar, uma das mais voluntariosas faculdades humanas, sem elas o homem não se comprometeria em distinguir-se da ordem, da força civilizatória, das formas de hegemonia. É através do estado instintivo, pela cólera, que se concretiza o improvável. Em Nietzsche, por contradição, o sentimento é aflorado, capaz, sobretudo, de relutar aos mandatos do A.I 5, de uma maneira geral, das formas de opressão: Além disso, todo homem de ação ama o seu ato infinitamente mais do que ele merece: e as melhores ações se realizam sempre num excesso de amor tal, que, mesmo quando são inestimáveis, elas só podem ser necessariamente indignas. (Considerações Intempestivas. P.77)
Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo rodou no instante nas rodas do meu coração, Chico Buarque coloca-nos diante da continuidade histórica, ele busca as formas de alternativa, deseja alterá-las, mover a direção de um caminhar cego. Roda Viva é este sentido de eterno retorno, das desconcertantes alternâncias da criação e destruição, da continuidade e da descontinuidade. Seria, talvez, um dos maiores problemas dos historiadores: perceber o fim da permanência, o fim da obrigatoriedade de lineralidade progressista da História.
A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chegar roda viva e carrega o destino pra lá... É também, a poetização das forças que destroem o sujeito da ação, que transfiguram o homem em marionetes do movimento de sucessão do civilizatório. A Roda Viva é o instrumento de fabricação do estado de bem-estar, da máxima do progresso neoliberal de uma sociedade brasileira moldada pelo espírito fascista, sacrificando os não-enquadrados ele produz os pensamentos numa esteira fordista.
Sua produção é o ritual triunfante da hegemonia, Chico Buarque nos propõe em similaridades Benjaminianas o desejo da luta, da crítica: Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela... O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.
1967 possui uma dialética peculiar, a dos sentimentos. O prodigioso modernismo tão necessário e esperado no Brasil; o medo do novo sentido pelos tradicionalistas; a certeza da catástrofe pré-imaginada pelos esquerdistas; o ódio ignorante pelos comunistas, fruto de uma construção política. Os grandes festivais realizados pela Record sintetizam através da arte o pensamento dinâmico das constantes e não declaradas lutas entre a tradição e a globalização.
As sínteses desses conflitos metaforizam-se na realidade de um movimento (tropicalismo), na exatidão de dois instrumentos: a guitarra e o violão. O primeiro é a tecnicidade que chegou ao Brasil, é a expectativa do primeiro mundo, é a antropofagia moderna de 22 às adaptações de quarenta décadas. O segundo é a problemática de encaixilhar o vindouro às tradições, é o questionamento das identidades nacionais, do espírito de pertencimento, de unicidade. É um período de ruptura, de questionamento, de descontinuidade, de Roda Viva.

sábado, 12 de novembro de 2011

Diálogos com a TV ligada

Matheus Martins
O que é criar algo novo? Como realmente perceber que as ideais correspondem a um turbilhão de inovações, a um desconhecido? O pretexto da inventividade percorria-lhe a mente, enquanto sentado em frente ao computador, tecia comentários anacrônicos e simuláveis.
Confuso, ficara imaginado perder-se no tempo como uma imagem de Dali que, a pouco, vislumbra em um texto amigo. Cada segundo esparso daquela noite de sábado lhe parecia curioso demais para ser confidencial. Por que perder aquele instante, jogado no amontoado de idéias descartas e “esquecidas”? Esquecer, engraçado, era o que mais o fazia lembrar. As dúvidas e inquietações que nos primeiros ouvires dicotômicos lhe rompiam as sensações de completude. E aquela velha história que concebia, já não caminhava mais com ele. Talvez estivesse lá, no amontoado descartado.
“Só penso”, era isso, mais uma vez o amigo lhe influenciava. A história, quiçá, nem exista. Ela só é simplesmente pensada. Como um sonho, a história se mostrava uma projeção daquele inconsciente, o qual conhecera através das leituras de Freud. A história é sonhada, é desejada. Conseguia imaginar aquilo. Até mesmo lhe parecia plausível. Mas como prová-lo? Como destruir, ou desconstruir, “cientificamente” (que ironia) a cientificidade da história?
Poder e saberes, suas relações com a dominação constituída; aquilo não era seu. Não digo seu, de autoria, até mesmo por que todo esse emaranhado de redes de força, só lhe era apreensível por lentes, alheias até mesmo ao seu maior divulgador. Ou seja, usar de Foulcalt seria imitar, por demais, os seus interlocutores. A televisão ligada começava a lhe tomar atenção. Mas, não queria perder o entusiasmo. Era esse o seu diferencial, parecia mais um artista, cuja performance depende completamente do vôo da inspiração.  Por isto mesmo, essa era a visão que possuía da historiografia.
Passava por sua mente, uma vez mais, as críticas de alguns professores. Como era possível? Senhores já tão estudos e aparentemente dinâmicos, mas com a cabeça tão lacrada para novas perspectivas? A análise literária é totalmente dependente da historiografia para sua contextualização, porque a análise histórica só recorre a literatura como um curiosidade, um supor micro, ligado somente as relações artístico culturais.
A televisão ligada lhe fez advertiu, há ouvintes que pensam os filmes históricos narrativas fiéis, verídicas aos fatos como eles de fato ocorreram. “Erro de Crasso”.  A literatura tão pouco o era, mas sua importância não seria aquela. Nela – acreditava – estava contido, de forma bruta, o sistema de raciocínio, o pensamento de seu escritor; que neste era inscrito pela sua época, sua vivencia, seus sentimentos. Lugares, sensações... Tempo, idéias... sua história, bruta; pronta para ser sonhada e desejada, como um lapidador sonha a jóia antes de trabalhar o mineral.
Instantaneamente, se fez incompreendido, como se pode refletir que tanto filmografia quanto literatura, não reproduzem o passado em sua exatidão (longe disto); e simultaneamente, aspirar que a história o faça, ou que ao menos se aproxime desta tarefa, literalmente (e ironicamente) homérica.
Um olhar desconcertante, para um mundo que tão torto lhe incomodava, de tal maneira que mais lhe parecia um espelho. Violência se confunde com excitação, dialogava com as imagens do UFC. “O Brasil tem mais um campeão do mundo”, ria ao se contestar se o bairrismo recifense havia tomado as terras tupiniquins. Neste mesmo pensamento, sem perder muitas palavras (ao menos o sentido se conservara), entendeu como os marcos de factualidade histórica permeavam sua imaginação. Confessava para si mesmo, com muito pesar, que as âncoras eram necessárias, para que os veleiros da imaginação, não tomassem todos os rumos possíveis e impossíveis, se mantivesse estável tanto em tempestades como em calmaria.
Alguém riria muito com isto, algum dia. Mas, a tarefa de uma âncora, afirmou, não é segurar o navio eternamente, muito pelo contrário, bom navio é aquele que por muito resiste navegando. Como as obras de Dali ... Como o disco “Inédito” de Tom Jobim... A história deve ser desejada com calma, a espera de inspiração... Ser desejada, e evidenciada neste desejo. Não se fica em cima do muro. Não afirmar partido, não significa não ter partido, muito menos que não este não esteja presente no discurso. Tomou o CD de Jobim na mão, a tela simples lhe encantava de uma forma inexplicável. Concluiu que esta era a maior similitude que apreendera, daquele instante com a história: o enigmático e o indescritível , o arrebatamento do instante se expandindo em futuro, passado, presente...
Já era mais de meia noite; o sono lhe doía a cabeça, o teclado quente do seu portátil lhe suava as mãos. Estava decidido a deixar o texto por assim mesmo. Assim o fez...

Eu não acredito em contos de fadas: Considerações a respeito do meu conceito de história.

                                                                                                                            Por: Estevam Machado

Já estou cansado de me ver perguntado, tanto pelos meus amigos como por mim mesmo: mas afinal, o que é história? E quando tento me explicar sou bombardeado de réplicas que me fazem repensar algumas posições, porém tenho uma idéia nuclear que não consegui tirar da minha mente, talvez seja por causa de que eu realmente acredite nisso: a história é ciência.
            Os novos historiadores, dentre eles os historiadores artistas, teimam em ser dicotômicos creditando aos defensores da cientificidade ora uma ingenuidade que não perceba as tensões entre as classes ora uma forma maquiavélica de maquiar, de velar essas ditas tensões, a serviço da força manipuladora das classes dominantes. Os defensores da cientificidade, ou são ingênuos ou estão a serviço “do mal”.
            Isso porque os inimigos da cientificidade encaram tanto a universidade, como toda a sociedade num geral como um grande restaurante, em que eles são garçons que servem ideologias a torto e a direito.
            E ponho-me a defender minha posição mais uma vez: não sou adepto à questão da simpatia à maneira agostiniana: “Et nemo nisi per amicitian cognocitur” ( Não se pode conhecer ninguém a não ser pela amizade ), instituindo assim uma relação harmoniosa, passiva entre o eu e o outro, o sujeito e o objeto, o historiador e a fonte. Nem tampouco a tristeza se abateu sobre mim quando tive que ressuscitar Cartago como falou Flaubert: “Peu de gens devineront combien il a fallu être triste pour ressusciter Carthage” ( poucas das pessoas compreendem o quanto tenho estado triste por ressuscitar Cartago).
            Porém mesmo não sendo adepto da questão da simpatia, não considero o espírito radicalmente crítico, sendo assim faço minhas as palavras de Marrou:

“Uma tal exacerbação do espírito crítico, longe de ser uma qualidade, seria para o historiador um vício radical,que o tornaria praticamente incapaz de reconhecer o significado real, o alcance, o valor dos documentos que estuda”[1]

           
No meu primeiro texto: A cientificidade da história – Refutações das ideias dos “historiadores artistas”, ao chamar os autores Nietzsche e Foucault de negacionistas, estava tentando explicar que principalmente o primeiro é um autor crítico aos moldes de que Marrou explica: “A crítica consegue demolir o edifício provisório de um conhecimento imperfeito, formula exigências úteis à reconstrução ulterior, mas em si mesma pouco contribui[2]. Até porque é mais fácil dinamitar uma construção do que erguê-la. 
Marrou entende a simpatia como estado construtivo e a crítica como a etapa destrutiva e é nessa relação dialética construção-destruição que  história se faz, como conquista progressiva do conhecimento do passado:

“Se o espírito crítico e a simpatia não são em si mesmos contraditórios, falta que estas duas virtudes sejam sempre fáceis de conciliar, que se encontrem igualmente representados no espírito de cada sábio. Mas a elaboração da história é o fruto de um esforço coletivo e os excessos de uns vêm corrigir as deficiências de outros. É útil ao progresso de nossa ciência que uma crítica exigente, e até mesmo injusta, venha despertar uma simpatia sonolenta prestes a deslizar para a complacência e para a facilidade.”[3]  

            E o amigo leitor deve estar se perguntando o porque do título? Entendo a história como um processo de racionalização do passado em que o historiador, está no meio tentando administrar o processo simpático em consonância com o processo crítico. Como dizia Aristóteles há muito tempo atrás, a virtude está no meio. E isso se adéqua a vida como também ao ofício de historiador.        





[1] Marrou, H. I. Do conhecimento histórico.3ª Edição. Editorial Aster, Lisboa, P.87
[2] Marrou, P. 89
[3] Marrou, PP. 88-9

terça-feira, 27 de setembro de 2011

História e Poder - Uma Análise do Texto “Verdade e Poder” de Michel Foucault.



Rafael Santana Bezerra
           
            A historiografia em seus estudos decompôs o poder através das instituições representativas: o Rei, a Igreja, o Estado. De uma maneira geral o poder centralizado. Escrevia-se a História baseando-se nessas formas de análise, na impressão de uma propriedade do poder. Foucault nos ensina como essas forças estão capilarizadas. Ele nos propõe uma analítica do poder cotidiano, são os seus exercícios nas relações familiares, nas fábricas, nas escolas e nas prisões, em qualquer lugar, coexistindo às relações humanas. Não é uma análise histórico-materialista assemelhando-se a modos de produção, não nos apropriamos do poder, não o possuímos, não o temos. Ele só existe em estado de ação, é molecular, ou ainda, microfísico, é independente do sujeito de escolha.
Além de desnaturalizar o sentido de possessão do poder, Foucault desmascara o julgamento moral desses estudos. Houve um consenso em classificar a ação da força como puramente negativa, ou ainda, somente repressiva. Antes era somente o poder como instrumento para disciplinar, punir, castigar, ferir, explorar. Exercer a força era essencialmente produzir efeitos maus sobre os indivíduos. Não havia a possibilidade de creditá-lo a um movimento criador. O poder em Foucault é também criativo. É no momento do exercício, da ação, que o poder cria. Ele constrói discursos, formações familiares, sexualidades, ou ainda, prazeres. O poder cria verdades, loucuras, delinqüências.
Portanto, este teórico é fundamental para uma análise da História, não das formas pretéritas já estabelecidas, mas, garantido uma originalidade necessária e capital para o desenvolvimento do estudo de uma História/Poder:

Pois se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande superego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo – como se começa a conhecer – e também a nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. (FOUCAULT. 2003, p. 114);

Hoje, não podemos acreditar numa moralidade universal, numa ética que estaria presente em todos os profissionais da História. É improvável uma concepção de consciência coletiva. As verdades saltam, acendem e apagam-se nos tempos históricos. Não se trata de uma negação de todas as formas de verdades, é somente, colocá-las em contrariedade. É incluí-las num jogo de desconstrução. É dar movimento à concretude dos conceitos.
A luta maior deve-se a essas formas de manipulação dos direitos de declaração. Não na sua forma de alternativa, mas sob sua configuração de hegemonia. É através dessa nova óptica que se deve observar a História. Ela é muito mais do que simplesmente interpretação de fatos históricos.
A História é instrumento das vontades de poder. É em si mesmo uma materialização da vontade de saber. Apoderar-se da reconstituição do passado é uma relação já definida, um saber/poder: “O exercício do poder cria perpetuamente saber e, inversamente, o saber acarreta efeitos de poder[i]”. É, também, o poderio de definir os campos do conhecimento, suas constituições, suas delimitações, suas obrigações, suas finalidades e instituições.
Acreditar numa História inocente é um erro gravíssimo. É ignorá-la como arma. Como instrumento daqueles que possuíram o direito de constituir seus limites. Além disso, é dissolver sua importância. Ela é aparelho não somente daquelas influências de poderes evidentes, mas, sobretudo, de um emaranhado de forças que se sucedem e se transformam a cada instante.

Diziam os positivistas que os mortos governavam os vivos, o passado o presente. Ao reler a História com os olhos de hoje talvez pudéssemos dizer que os vivos, ao tentar reconstruir o passado, tentam governar os mortos na ilusão de poderem governar a si próprios. Ou, em versão pessimista, na frustração de o não poderem fazer. (CARVALHO. 1999, p.14)

            As historiografias nacionais exemplificam exatamente essa afirmação, elas culpam seus inimigos de suas mazelas, controlam o passado sob a rédea de seus domínios presentes. Os americanos fizeram entender que a Segunda Guerra foi fruto, sobretudo, da personalidade sádica de Hitler. Esquecem, ou ainda, fazem apagar da escrita da História todas as igualdades que construíram um campo de guerra. Anulam seus interesses, colocam-se como provedores da liberdade individual característica do neoliberalismo. É a estatua da liberdade contra os signos fascistas.
            Os marxistas, aqueles mais ferozmente dogmáticos, fazem construir uma História redesenhada sobre valores morais. Os proletariados assemelham-se na realidade a uma categoria penosa, merecedora de recompensas vindouras. Enquanto, aos burgueses, creditam todas as mazelas que a monopolização das riquezas constitui. É a História desenhada sob o enredo antagônico do Bem e do Mal.
            Stalin no auge de seu poder eliminou a figura representativa de Trotsky dos livros de História de toda a União Soviética. Getulio Vargas construiu uma imagem populista, financiou inúmeros intelectuais, construiu um governo vitorioso, através da negação de um passado de atrasos e a promessa de um futuro de progresso.
Juscelino Kubitschek criou o ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros -, que tomou a forma de difusão intelectual de seu modelo governista, o nacional-desenvolvimentismo. Era a validação do progresso sob verdades cientificas. Não se trata, somente, de colocar a História como investigadora dos conteúdos verdadeiros, mas, sobretudo, de interrogar as forças que validam certos conteúdos como falsos e verdadeiros, uma forma de compreender a relação entre o poder/saber.
Hoje, as produções intelectuais estão cada vez mais segmentadas, talvez este seja um assunto para outro debate, contudo, podemos perceber que os limites entre as disciplinas estão sendo gradativamente delineados. O conhecimento segue o ritmo das fábricas, do fordismo, do isolamento, da segregação. Eles são separados, é o perigo da união que fraciona os saberes.
As preocupações dos historiadores ao produzir suas obrassão cada vez mais salientes. Há um medo de ultrapassar certas barreiras, de invadir o campo da filosofia ou da sociologia, da literatura ou da filosofia, por exemplo. Esse medo revela não somente o querer distinguir-se, mas o desprestígio que certas disciplinas carregam na modernidade.
O historiador inquietado com as formas de hegemonia, àqueles que estão em contradição à conformidade devem se preocupar não em distinguir os “objetos” da História ou da Sociologia, mas, especialmente, entender como foram construídas condições objetivas dessas distinções, é procurar perceber como foram construídas categorias de segregação. É preciso então, livrar-nos dessas amarras, dessas prisões teóricas que insistem em mecanizar a produção historiográfica.
É através dessas análises, das constituições dos saberes, que questiono a cientificidade histórica. A modernidade classificou num patamar incrível de importância os conhecimentos científicos, nessa lógica fazer uma História não cientifica é menosprezar-se.
É uma longa busca da compreensão das condições macro-estruturais que as compõem. São as condições políticas, as estruturas de pensamentos, as condições materiais de uma época, a economia, as relações humanas. Houve, na realidade, uma busca dos métodos historiográficos para enquadrar-se nos momentâneos e prestigiosos dispositivos de verdade, desta forma força-se uma adaptação dos objetos a esses regimes constituintes do conhecimento. Existe todo um aparelho que limita o campo do verdadeiro, o historiador deve ampliá-los, ou quando necessário destruí-los
            É uma História inquietada com a formação do conhecimento. Sobre o inconstante questionamento de como o direito de dizer o que é importante estudar foi apropriado numa construção histórica. É uma preocupação também, acerca do que é estabelecido num certo domínio do verdadeiro e até onde vão os objetos de estudo, qual a distinção dos métodos. “Isto é, uma forma de História que dê conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objeto, etc.” (FOUCAULT, Pág7).
Não há equilíbrio, não há ausência, não há se quer imparcialidade. A História é também um exercício de escolhas dentro dos limites impostos. É a escrita do historiador sob suas concepções políticas, é o que ele defende ou o que ele julga que transpira por sua produção histórica.
A História nunca estará ausente dessas redes de poder. Exatamente por que ela no instante que se configura como conhecimento é automaticamente uma vontade de saber. A História é um poder materializado em conhecimento. Na realidade a intenção não é o desvencilhamento do poder na História. Não há essa possibilidade. Contudo, o desejo do genealogista é colocar o plano das alternativas. A ciência que procura enquadrar em seu domínio os conhecimentos históricos anula a possibilidade das especificidades, do jogo das analogias. Alimenta-se a ilusão, nessas ultimas gerações, de uma flexibilidade científica, contudo, estamos jogados, encobertos num jogo de limites, numa soberania de produção intelectual.
Não se tem a pretensão impossível de retirar o exercício do poder da História. Mas, lutar contra as formas de hegemonia do conhecimento. Fazer com que ela caminhe pelo seu amplo campo de opções. Devemos procurar questionar e transformar os regimes políticos das constituições das verdades, ou ainda sobre as palavras de Michel Foucault, a História deve: “Interrogar as relações entre as estruturas econômicas e políticas de nossa sociedade e conhecimento, não em seus conteúdos verdadeiros ou falsos, mas em suas funções de poder/saber”.

Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o poder das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento. (FOUCAULT, 2003, p. 14)

Não há mais espaço neste século para as formas centralizadas e representativas de poder. A ideologia difundida de liberdade e democracia tomou conta do imaginário popular, o sentido do exercício de poder está cada vez mais mascarado. O panóptismo é latente, consome a civilização moderna, retiraram-se os focos do poder, tornaram-se invisíveis, inconstantes e ainda mais inseguros e perigosos. Os conflitos são menos evidentes, estamos entregues num jogo de ilusões.
Diante de todo esse novo panorama histórico, num mundo onde a cultura globalizante insiste em enforcar as identidades locais, lugar onde as lutas se mascaram em protestos online, num campo onde o pensamento é duramente aniquilado pelos programas televisivos, deixo um questionamento que no futuro ambiciono responder. Alguns podem considerá-la banal, mas é fundamental para tudo aquilo que um dia pretendo conquistar: Qual o papel do intelectual no século XXI?

História e Narrativa: As Influências da Historiografia na Escrita da História

Anderson Rodrigues

A História pode ter inúmeros significados e atribuições, porém estas não podem fugir do compromisso com a verdade. A narrativa histórica, principalmente nos dias de hoje se vê em uma grande encruzilhada. Existe uma cobrança com a estética do texto com um intuito de ser tornar atrativo, porém o compromisso com a veracidade ainda perdura.
A busca de um passado real foi, mesmo de maneira suposta, um dos maiores desafios para o historiador. A busca dessa realidade do passado veio sempre atrelado a uma suposta verdade. Verdade essa para um historiador, não alcançada em concepções historiográficas que estão anteriores ao seu respectivo tempo. Em suma o historiador tinha ou tem o hábito de acreditar que a historiografia feita em seu tempo terá sempre um cunho de maior veracidade em relação aos trabalhos historiográficos produzido anteriormente.
Mas será mesmo que o nosso tempo é dono da verdade? Será que um historiador, embora, tenha esse compromisso realmente conta a verdade? Se contarmos a verdade, então onde ficam nossas interpretações do fato?
Para se começar a responder essas três interrogações supracitadas acima, temos que de inicio nos ater a dúvida como enceto de todo o conhecimento, sobretudo àqueles que se remetem ao estudo do passado. Temos que ter a consciência de como e por quais motivos o historiador que escreveu anteriormente ao meu tempo obteve tais conclusões. A historiografia estará sempre presa as limitações de quem escreve, pois numa pesquisa histórica ainda de maneira involuntária colocamos nossos medos, esquecimentos (recortes), traumas, anseios, julgamentos, interpretações dentre outros.
Talvez, eu, neste momento seja um tanto pretensioso, porém me arrisco afirmar que todos esses motivos estão presos e subjugados a existência de um fator no qual, esteve sempre presente e inerente a todo ser humano: o tempo.
Toda a história é fruto do seu próprio tempo. Somos influenciados pelo anseio de nossa sociedade, por isso, ao resignificar um fato do passado levamos em consideração as respostas que nós, e a sociedade, ansiamos tê-la. A explicação do passado estará sempre na mão do historiador.
O exemplo maior disso se faz presente quando, ainda se há discussões sobre o holocausto sofrido pelos judeus na Alemanha. Mesmo com provas físicas das ferocidades sofridas pelo povo judaico em campos de concentração existe uma corrente que se diz, contraria ao fato desta violência. Então, onde está a verdade? Os revisionistas do holocausto quando não negam a sua existência se remetem a seguinte tese: o porquê de continuarmos colocando o fardo da culpa pela violência no povo alemão que, estava apenas em busca da reconquista de sua dignidade perdida desde primeira guerra mundial.
Ao falar de guerras é quase que, indispensável nos remetermos ao campo da historia dos vencedores em relação aos vencidos. Para ser bem breve com esse pensamento, vou utilizar-me, mais uma vez, de pretensão para uma boa persuasão. Vamos imaginar que o resultado da segunda guerra mundial fosse outro. Vamos nos ater a imaginação que os países do eixo (Alemanha, Itália e Japão) conseguissem triunfar sobre os aliados e, sobretudo os EUA. É totalmente imaginável que a conjuntura do mundo seria totalmente contraria a vivida hoje. A história seria contada de acordo com o olhar dos vencedores e no caso do holocausto, seria explicado de acordo com a visão e o anseio alemão.
 Poderia citar inúmeros exemplos de que a história é, na maioria dos casos, dos vencedores. Mesmo quando temos o privilegio de possuirmos relatos vivos de pessoas no qual, viveram os grandes fatos da história, ainda sim não temos a suposta verdade absoluta.
Sobre isso temos que observar de maneira consciente que, “nossos relatos estão presos a nossa memória”. Ao dizer isso talvez, posso me parecer, um pouco obvio demais, mas ao falar da memória não me remeto apenas àquela esquecida involuntariamente pela situação de sermos seres humanos e, portanto cheio de falhas ocasionadas pela nossa mortalidade. Temos de ter a consciência que ao enfatizar um discurso de um memorando e colocá-lo como uma verdade absoluta estamos assim, esquecendo qualquer outro ponto de vista contrario a essa narrativa.
Esse outro ponto de vista pode ter ocorrido com pessoas que também estiveram e viveram o fato, apenas naquele momento não estão lá para contar a sua forma do acontecimento. E nós estudantes do passado, de maneira puramente arbitraria colocamos o relato do vivido como a grande veracidade.
Com novos estudos sobre verdade, memória e história a visão do historiador no decorrer do tempo vêm mudando. A relativização do fato a cada dia se torna mais presente. Não estou dizendo com isso que atualmente o historiador se omite em contar fatos, mas que, ele hoje tem uma maior consciência de que seus escritos não são, de maneira nenhuma, verdades absolutas.
Um dos autores mais estudados na pós-modernidade é um dos maiores responsáveis para essa dúvida das verdades históricas, estou falando de Friedrich Wilhelm Nietzsche. Ao por em dúvida as verdades do seu tempo, Nietzsche é estudado de maneira resignificativa, quando estudamos a verdade histórica. O próprio filósofo afirma que ao contarmos o passado “não passamos de querer impor nossa vontade de poder e o que existe não é o fato, mas sim as interpretações dele”. Poderia aqui citar e explicitar exemplos de inúmeros autores que mesmo contrários as teorias nietzscheanas contribuíram para trazer a tona tudo que foi exposto acima.
Ao estudar isso o historiador ao construir sua narrativa não se atém a uma busca incessante de uma verdade única, mas sim existe uma procura pelas “verdades”. É obrigação do historiador mostrar as diferentes formas de contar a história e ter a noção que todas elas estão sendo influenciadas pelos fatores já aqui abordados.
É importante nesse momento ressaltar que, apesar de toda negação da verdade absoluta do fato trazida nos tempos de hoje, ainda é obrigação do historiador tentar chegar a um nível de explicação do que está sendo abordado. Para isso, ele se utiliza de sua maior arma a narrativa.
O método narrativo, portanto serve para o historiador como um elo entre sua pesquisa e o leitor. Sobre o grande desafio do uso da narrativa histórica podemos citar dois grandes autores muito reverenciados hoje pela intelectualidade são eles: Paul Veyne e Paul Ricoeur. Com Veyne percebemos a questão da causalidade, ou seja, a situação de causa e efeito negada pela escola de Annales. Segundo Veyne quando procuramos as causas para um acontecimento explicamos a mesma de forma mais penetrante e precisa. Quando negamos a causa e efeito e nos remetemos a uma espécie de história mais problemática e explicativa estamos fazendo diz Vayne: “explicar mais é contar melhor, e de qualquer modo não se pode contar sem explicar”. De acordo com isso a explicação do fato é sujeita à narrativa.
Ao estudar essa questão da narrativa em Paul Ricoeur somos convencidos que ao narrar o fato buscamos dar a ele o significado teórico. Com Ricoeur a discussão da temporalidade na narrativa é bem interessante. Ele explica que um relato do passado é tido com o uso da narrativa ao contar fatos. Porém estes não podem consistir como a maior verdade. O relato também pode causar interpretações errôneas da intenção primeira, contada pelo relator.
 Para encerrar esta pequena abordagem sobre Ricoeur, ressalto a relação da temporalidade com a narrativa. A função da narrativa é, também, de dar um caráter temporal a vida. O nosso tempo humano, só se figura como tal, a partir do momento que fazemos uso da narrativa para explicá-lo. Em suma: a explicação do que somos, de onde estamos e a causa disso só podem ser explicadas de acordo com a temporalidade, mas, esta só se faz possível quando se faz uso da narrativa.
Tenho a impressão que o estudo e as discussões sobre a veracidade histórica e as temáticas que existentes em sua volta, nunca chegarão a um fim. Vejo essa abordagem de forma primordial para não deixarmos a mais linda das ciências cair em uma mesmice. Diante do exposto, acredito que, ninguém poderá afirmar que a história é algo morto e estático. A cada releitura e novas descobertas modificamos a interpretação do passado e, com isso, reformulamos o presente.
Isso que é fantástico na História, não se ater pelo menos de forma parcial, a questões físicas. A discussão é sempre válida para se manter viva o estudo histórico. No dia em que se acabar as discussões históricas não teremos mais motivos para se estudar o passado.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A cientificidade da história – Refutações das ideias dos “historiadores artistas”

Por: Estevam Machado

            Sinceramente não entendo o pavor que ronda a cabeças dos historiadores atualmente no que tange a cientificidade da história. De certo que houve um excesso na interpretação de autores negacionistas  como Nietzsche, e por consequência Foucaut, - não estou aqui tirando o mérito desses autores na formação dos novos historiadores que precisam ter uma cultura histórica elevada e amplificada. O grande problema é a dogmatização de suas propostas, que evitam comparações com outras concepções, fazendo da sala de aula na universidade um verdadeiro catecismo que prega a negação por completo da realidade expressa pela linguagem, do sujeito, e do indivíduo -. Talvez seja por isso que a história sofre com uma crise de identidade que geram polêmicas infindáveis, principalmente sobre a sua própria conceituação.
            Então, antes de afirmar com letras garrafais: “ HISTÓRIA É CIÊNCIA”, é necessário se ater a própria epistemologia, e como os novos historiadores expõem seus preconceitos para com a ciência.
            Para esses historiadores pseudo-vanguardistas, a ciência é uma coisa estática, por que há uma fobia generalizada em relação ao positivismo, porém isso não quer dizer que todos os historiadores que defendem a historicidade sejam positivistas e nem marxistas dogmáticos.   
            É esse preconceito primeiro que fecha os olhos para melhor analisar a situação, se esses historiadores realmente estudassem história, iriam perceber que ciência é debate, exposição de idéias divergentes, é contraposição por excelência. Se ciência é permanência, porque Galileu contestou as idéias vigentes em sua época sobre a  ordenação do sistema solar? Este era um cientista, não deveria seguir a ordem, como dizem os novos historiadores? E Colombo, que por utilização das ciências náuticas descobriu a América e provou a esfericidade da terra.
Se a ciência fosse estática, os cientistas não inovariam, não se tornariam nem cientistas, na verdade. Estagnariam no período da técnica.
Na ciência não existe verdade absoluta, e sim uma busca pela verdade, assim como, principalmente, no campo da ciência histórica, há um compromisso com a verdade, mesmo que ocorra na escrita do historiador um acesso de subjetividade, o leitor preparado separará o  “campo da opinião” do campo científico, isso se explicita na leitura de autores como Diacov e Covalev, por exemplo, que devido as suas orientações políticas analisam o passado de forma um tanto que arbitrária, porém pode se separar o caráter objetivo/científico do texto da parte subjetiva que revela as intenções desses autores, fazendo isso, o leitor percebe a riqueza científica existente nessas coleções sobre história antiga.
É triste perceber que estão se formando historiadores que não enxergam na ciência, e principalmente na ciência histórica, um dinamismo que lhe é peculiar e se atém a um maniqueísmo da dialética, quando o mundo é muito mais complexo que um choque entre opostos, e os novos estudos sobre escravidão em diversas partes do mundo e também no Brasil, por exemplo, apontam que não só existia só a luta entre o senhor e o escravo, barganhas, serviços extra-oficiais, e até mesmo interação mútua também fazia parte dessas sociedades. A dialética não explica tudo. Tanto é que Heráclito se ateve entre o doce e o salgado e se esqueceu do amargo e do azedo.
Não se pode dispensar o grande papel da filosofia na ciência histórica ,porém o historiador não é filosofo, nem tampouco artista que se expressa a partir da interpretação do passado, ele pode sim se valer da filosofia, porém fazer dela e de sua interpretação pessoal do mundo as principais fontes para se escrever é no mínimo narcisista e irresponsável .
O historiador interpreta o fato, como qualquer outro cientista, porém após uma longa caminhada que requer uma habilidade em coletar e separar as fontes, analisar uma bibliografia a cerca do tema, fazer críticas sobre a documentação, o interessante é que muitos que criticam a historicidade se valem de instrumentos destas para compor seus escritos, “nada surge do nada”.
Desculpem-me, por favor, os “historiadores artistas” que enfeitam páginas e páginas de neologismos desnecessários para acrescentar tão pouco a história, se estou sendo deveras ácido em meus comentários, é que são inúmeras aulas assistidas que são verdadeiras doutrinações acadêmicas em que tenho que ater minhas convicções, e como tive a oportunidade desta válvula de escape, estou aproveitando, por isso peço desculpa, porém não retiro o que disse nenhuma palavra que escrevi e ainda escreverei outras tantas.
“Ah... mas Heródoto, o pai da historia não precisou de arrogantes metodologias científicas para analisar a sociedade”, dizem os “historiadores artistas” é claro que ele não poderia dispor de uma ferramenta que não existia e todas as ciências não começam como tal. A física é originária da mecânica, a química da alquimia, a história da narrativa, as ciências médicas do curandeirismo, etc. Existe sim uma evolução e não percebê- la é retardar o conhecimento histórico.
Esses novos historiadores conhecem as ciências e disciplinas auxiliares da história, porém têm por estas, desprezo incomensurável colocando num altar apenas as concepções filosóficas teóricas, esquecendo da demografia, paleografia, economia, heráldica, numismática, sociologia, arqueologia, etc.
A ciência é aglutinadora e para fins didáticos a ciência histórica percebeu o quão difícil seria explicar para leigos estudantes as particularidades de civilizações próprias, então, se faz necessário fazer uma série de generalizações, onde as principais características comuns de povos que compartilhavam o mesmo campo temporal e estavam próximos geograficamente, surge, por exemplo, o estereótipo do homem feudal, ligado a terra e a igreja, porém sabe-se que este homem é típico da Inglaterra, França, Alemanha, enquanto isso as cidades-estados italianos floresciam no comercio, e os Vikings impunham suas forças no Norte da Europa, a questão da generalização é um problema, reconheço, mas é mais uma prova da cientificidade, a fervura da água, é um exemplo interessante nesse caso, ela ferve a 100 °C nas chamadas CNTP (Condições normais de temperatura e pressão), se a temperatura ambiente ou a pressão, ou ambas, não estiverem na CNTP, a água ferverá quando alcançar a temperatura. Para fins didáticos tanto as ciências ditas exatas quantos as ciências humanas se utilizam de generalizações, porém, é bom que fique claro que estes argumentos não fazem sentido no estudo mais especializado do historiador-cientista que se apega aos mínimos detalhes, isso porque os inimigos da cientificidade têm essa característica de pegar pontos específicos e generalizar para dar maior embasamento aos seus preconceitos.
Outra característica dos “historiadores artistas” é a confusão nas palavras, estes que são bem versados na escrita e utilizam de conceitos ambíguos para justificar suas ideias, “Ah... mas se atribuirmos ao conceito de ciência a utilização de métodos, o que poderíamos de tantos artistas e filósofos que seguem um padrão interpretativo da arte ou da vida? Picasso e a cientificidade do cubismo?” A primeira confusão é a igualação entre método e padrão interpretativo. O método é a arma que vou utilizar em minha pesquisa – história oral, documentos oficiais, iconografia, etc. – e padrão interpretativo é a forma que o indivíduo entende o resultado de várias pesquisas, entende as diferenças na unidade. A filosofia não tem método, ponto. Todas as conclusões tiradas pelos filósofos são formadas pela interpretação livre e sua escrita, tanto a filosofia quanto a arte não têm compromisso com a verdade, diferentemente dos historiadores e demais cientistas. A segunda confusão nesse parágrafo é quando se diz: “O historiador é um artista da expressão do passado”. A frase é bonita, porém entra em conflito com a proposta do autor expressa no título do texto. “História – Além da arte da filosofia e da ciência,” no início do texto o leitor pensa que a história é uma nova categoria distinta da arte, da filosofia e da ciência, porém depois é dito que o historiador é artista, e o autor se perde na própria conceituação. E Picasso ser cientista por ter um estilo artístico, não é ironia do autor, foi um presente para o meu texto.
Então, como a história tem método ela é CIÊNCIA, história sem método não é história e sim filosofia da história, sendo muitas vezes palco de especulações à cerca dos acontecimentos pretéritos, não sendo, portanto, uma historiografia clara, distinta e com compromisso com a ética e a verdade histórica.              

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

História - Além da Arte da Filosofia e da Ciência


                                                    Por: Rafael Santana

           Esse texto não tem nenhuma pretensão em tornar-se acadêmico - inclusive, faltam-me propriedades intelectuais - é na verdade uma grande fuga, ou ainda, uma carta/dialogo aos amigos que estão apreensivos com os questionamentos sobre a cientificidade histórica. E mais ainda, as inquietudes desses jovens historiadores permeiam pela essência da profissão enquanto garantia de mercado, é o medo da extinção da profissão: Historiador. Resolvemos estabelecer curtos textos defendendo nossas perspectivas, além, é claro, de fundar argumentações flexíveis capazes de transformar nossos pensamentos. 
A História não tem nenhuma necessidade em ser ciência. Vai além daquilo que jamais veremos duas vezes (VEYNE), é o inexperimentável, é o não - rever. É insolúvel ao conceito de ciência do mundo natural. A História é o infinito espaço entre o acontecimento jamais alcançável novamente e a hermenêutica do historiador. Não é a restrição do pragmatismo cientifico. Não é a certeza imóvel da “verdade”, porque não é somente ela que interessa ao historiador. Ele trabalha com o obscuro, com o que se diz sem necessariamente pronunciamentos concretos, seu objeto é alegórico por essência. O passado não pode ser revistado como ele foi, é fruto das declarações consecutivas, não há objeto imutável de verificação, a fonte histórica é subjetiva. E a História, por conseguinte, é essencialmente metafórica.
            O termo “Ciência” é o resoluto da máxima cartesiana do termo “claro e distinto”, daquilo que é induvidavel, inviolável. Tal conceito abrange-se na modernidade, consome a sociedade, transforma o pensamento, abala a religião, o mito, a tradição, a filosofia, fere a explicação irracional, destrói a explicação alternativa. O historiador que faz somente uma História Cientifica, limita-se.
            Não é difícil perceber, que a tradição racional divinizou as explicações cientifico-metodologicas, explicar algo fora dos padrões da lógica é colocar-se num patamar abaixo dos dizeres científicos, é menosprezar-se. É neste sentido, que ainda hoje, percebemos milhões de historiadores preocupados em fazer Ciência. Há uma necessidade de sobrevivência no mercado de produzir por conceituação, e hoje, a Ciência no sentido técnico é o que rege a “episteme contemporânea”, é o que configura as produções de mercado, é o que estabelece importância. Fazer História tornou-se etapa da produção, mecanizado, organizado, tecnificado, anticriativo. Não por outro motivo, vemos em nossa sociedade a plena desvalorização dos saberes Filosóficos, Históricos, Sociológicos, Antropológicos, Psicológicos, ou seja, há uma supervalorização de mercado nas disciplinas ligadas a tal conceito de exatidão.
A verdade será sempre aquilo que não transcende ao paradigma cultural de cada época, hoje é que não vai além dos dizeres científicos.
Essa crítica aos historiadores cientificistas é de não perceber esse movimento histórico, essa produção discursiva daqueles que tiveram ao longo do tempo o direito de estabelecer o que é preciso estudar, e de como se faz o estudo.
Mais uma vez repito: a História não tem necessidade da Ciência, esta última é limitante da disciplina. Há os que contestarão esta interpretação utilizando-se do método histórico. Não nego, a História possui um método, mas não cientifico, tal como se quer as Ciências. O método histórico é fruto das analises dos filósofos e historiadores, que encontraram maneiras de realizar interpretações do passado. É fruto de cada contemporaneidade que descobriu formas de interpretar e analisar as fontes, que como já vimos, é por si só linguagem. A História antes de qualquer coisa pertence ao reino da expressão. O método é o como escrever, é a relação hermenêutica do historiador e a fonte histórica, é o como construí-la, uma sugestão de interpretar o que nos foi herdado do passado (fonte documental, oral, tradição, monumentos), sob nossas perspectivas. O historiador assemelha-se aos poetas e aos literários, ou a um grande artista de rua, que estabelece ordem nos versos ou ritmo próprio.
Se atribuirmos ao conceito de Ciência a utilização de métodos, o que poderíamos dizer de tantos artistas e filósofos que seguem um padrão interpretativo da arte, ou da vida? Seriam eles artísticas científicos?  Picasso e a cientificidade do cubismo? Deixemos de lado as ironias. O historiador é um artista da expressão interpretativa do passado. É um filosofo da crítica do presente. O Historiador é único, possui linguagem própria, a linguagem da História. Utilizei até agora comparações com artistas, filósofos, como um mero recurso retórico, numa tentativa simplista de desvincular o prestigio do discurso cientifico. Acredito que o leitor mais fervoroso à cientificidade histórica leu com muita repulsa, é por esse motivo que me justifico aqui, para não fazê-lo depois.
Discussão a cerca da cientificidade da História nos aparece hoje um pouco antiquado, o cerne de toda a preocupação deve-se de fato, ao que já foi dito anteriormente, ao prestigio que o conceito de ciência carrega na modernidade. O mundo moderno estabeleceu como necessário todo conhecimento institucionalizado, e é através desta instituição que os dizeres são classificados como verdadeiros ou falsos. Hoje, existe uma indústria institucional da verdade.
Tentaremos então, nos desvencilhar de tais conceitos. Heródoto é o exemplo mais clássico possível, não há historiador que não o conheça. O pai da História não precisou das arrogantes metodologias cientificas para analisar sua sociedade, muito menos para entrar na própria historiografia como um dos mais importantes historiadores. Em boa parte da humanidade as coisas só são percebidas no estado em que ela nos apresenta, é seu caráter momentâneo, ou ainda, aquilo que Michel Foucault descreve como estado emergencial. Anulamos - ainda que sejamos historiadores - o corpo marcado de História. A própria concepção de História é ausente de tal interpretação. No momento em que esse entendimento for absolvido por grande parte dos historiadores, a discussão sobre a cientificidade da História se apaziguara.
É sobre essa breve analise, ou até ingênua, que eu sugiro aos futuros historiadores que percebam o mundo em movimento. Analisem tudo aquilo que sempre nos pareceu coexistir à humanidade, inclusive o conceito do saber cientifico. História Ciência é somente um momento, um instante, uma emergência, ou ainda como gosta de expressar um Professor, é efêmera. Transgridamos, o historiador deve ir além daquilo que o retrai, que o limita.  
A base de toda a concepção moderna sobre o Homem é através da disciplina (disciplinar), seja nas escolas, nos hospitais, na prisão, etc. É sobre esse entendimento do corpo disciplinado, treinado, adestrado, que se puderam criar condições objetivas de uma possível analise do homem, do homem previsível. É dessa ilusão, tendo como base o homem moderno (disciplinado) – objeto -, que as chamadas Ciências Humanas acreditaram ser uma Ciência do Homem (Em outro momento esta breve apresentação será desenvolvida). A cientificidade acreditou ser capaz de prever, e estudar em sentido messiânico (marxismo ortodoxo) e taxonômico as ações humanas: o homem medieval, o homem moderno, o homem contemporâneo. Não é possível tal perspectiva de analise, é redutiva, é limitante.
A Ciência é civilizatória, é ordem, pragmatismo, permanência, é o estábulo dos desejos e das possibilidades, é a estagnação criativa em nome do progresso econômico. A Ciência é quantitativa, é somatória, é mercadoria. A História não. Ela é a fuga da barreira anticriativa, assim como as artes, a religião ou a filosofia. Ela é instrumento de crítica, de analise, ela é arma do oprimido e instrumento do opressor, ela é inimiga da Ciência por ser capaz de entendê-la, de condená-la. A História é o movimento do espírito crítico do homem, das possibilidades de avaliação e transformação da sociedade. Não será nunca o reino da permanência e da estagnação, ou ainda, da pueril verdade absoluta.