Rafael Santana
Não há
mistérios em perceber a anti-leveza do dia. Os desagradáveis despertadores
sinalizam a corrida matinal. Destroem o equilíbrio satisfatório do sono e
retiram-nos de nossos próprios ventres. O relógio é perverso, é um feitor que
chicoteia através de ponteiros. Eles ditam o ritmo da sociedade moderna,
agendam-nos em horas exatas, aceleram-nos através dos cronômetros, entristece-nos
no fim do ciclo. É uma das mais fantásticas invenções humanas, laçamos o tempo
no pulso. Penduramos o tempo nas paredes.
O
Homem saboreia a divina sensação de “dominá-lo", infelizmente, toda
criação humana foi na realidade um processo de aprisionamento, de
auto-dominação, ou melhor, um auto-flagelo cicatrizado. Imaginamos Ulisses
controlando sua natureza, é, pois, todo homem moderno. Não há nada mais
selvagem que o tempo. E os burgueses como sábias criaturas das financias
utilizaram a soberba humana com a mais maléfica racionalidade, tempo é dinheiro.
Ao
trabalhador recorre-se somente a dor das contorções, dos efeitos do cotidiano,
das insuficiências familiares, dos paladares neutros, da mente perturbada, do
desejo do ter, da ausência do ser. Nada mais lastimável do que qualquer peste
bubônica, ou qualquer epidemia mundial é esta doença moderna, essa melancolia,
essa falta de passado. O relógio moderno só anda para o futuro. E para onde vai
toda referência?
Estamos
entrando num processo de a-historicidade. Não quero dizer com isso que os fatos
extraordinários são as únicas importâncias ao estudo da História, ou que, o
cotidiano e as especificidades nada representem, não se trata disso. É na
realidade a constante e progressiva insatisfação, indiferença e menosprezo aos
estudos históricos. Esse processo de esquecimento diário deixa-nos feliz como
qualquer outro animal ao fim de uma refeição. O Homem civilizado está colocando
antolhos. Não há maior potencialidade ao conformismo. Bagunçar o passado é dissolver
as ataduras da dominação, é o primeiro passo para a mudança, para as
realizações. É o inicio dos questionamentos, da dúvida. Essa depreciação da
História é fruto do cotidiano que nos impele de pensar.
Entretanto,
não podemos exigir dos infelizes que ao fim do dia lamentam-se das poucas horas
de sono. Guardam para si os desejos do futuro e os espiritualizam no plano
solúvel do sonho. Estas são na realidade as virtualidades históricas, daquilo
que se quer, que nunca foi e que provavelmente nunca será. A verdadeira
História desses homens hiberna com sua fadiga. Ou melhor, sob os dizeres do filosofo
Walter Benjamin em sua belíssima obra Experiência
e Pobreza: Ao cansaço segue-se o sonho, e não é raro que o sonho compense a
tristeza e o desânimo do dia, realizando a existência inteiramente simples e
absolutamente grandiosa que não pode ser realizada durante o dia, por falta de
forças.