quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Roda Viva - Diálogos Sobre o Tempo

Rafael Santana Bezerra

                A imaterialidade que nos move ao futuro parece-nos, hoje, tão simples e natural. O compasso das alterações de seus minutos é personificado numa perfeição matemática que impressiona os ociosos. É a onomatopéia do progresso, tic-tac. Somos condicionados a senti-lo, quase adestrados a não concebê-lo de outra maneira. Os segundos dos semáforos atordoantes, caos da superpopulação metropolitana, é o tempo moderno, rasteiro, era da vivencia.
            Roda Viva encorpa-se num emaranhado de musicais de protestos políticos. A força exercida pelo Regime Militar produziu inevitavelmente uma espécie de contra-poder, letras tão significativas que superavam canhões. Inúmeras produções acadêmicas propõem com maestria essas análises da obra de arte em sua funcionalidade política. Afastando-me um pouco destas perspectivas, talvez, com uma errônea ousadia, gostaria de estabelecer uma breve interpretação das significações do tempo histórico neste período.
            A História não se repete. Talvez esta seja uma das máximas teóricas mais obedecidas. A elasticidade dos conceitos historiográficos produz a impressão nos ingênuos de uma igualação dos acontecimentos. Um erro que ignora o instante como um relâmpago que ilumina os passos da História, e que, imediatamente se esconde na escuridão do desconhecido. O fato histórico é somente esta partícula, visível por um momento, essa faísca do conhecimento acessível, ou ainda, um tempo saturado de agoras, de instantes.
Todas essas modernizações das ações humanas perpassam, quase que inevitavelmente, na ilusão da discriminação do estado de não-razão. Ou, ainda sob os moldes do racionalismo Hegeliano: O único pensamento que a filosofia traz para o tratamento da história é o conceito simples de razão, que é a lei do mundo e, portanto, na história do mundo as coisas acontecem racionalmente (A Razão na História p.53). Estabelecer unicamente a racionalidade como movimento humano histórico é predizer o sentido de predestinação.  
O sentimento é a forma inferior em que se pode existir qualquer conteúdo mental (p.58). Hegel ignora, absurdamente, vale ressaltar, uma das mais voluntariosas faculdades humanas, sem elas o homem não se comprometeria em distinguir-se da ordem, da força civilizatória, das formas de hegemonia. É através do estado instintivo, pela cólera, que se concretiza o improvável. Em Nietzsche, por contradição, o sentimento é aflorado, capaz, sobretudo, de relutar aos mandatos do A.I 5, de uma maneira geral, das formas de opressão: Além disso, todo homem de ação ama o seu ato infinitamente mais do que ele merece: e as melhores ações se realizam sempre num excesso de amor tal, que, mesmo quando são inestimáveis, elas só podem ser necessariamente indignas. (Considerações Intempestivas. P.77)
Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo rodou no instante nas rodas do meu coração, Chico Buarque coloca-nos diante da continuidade histórica, ele busca as formas de alternativa, deseja alterá-las, mover a direção de um caminhar cego. Roda Viva é este sentido de eterno retorno, das desconcertantes alternâncias da criação e destruição, da continuidade e da descontinuidade. Seria, talvez, um dos maiores problemas dos historiadores: perceber o fim da permanência, o fim da obrigatoriedade de lineralidade progressista da História.
A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chegar roda viva e carrega o destino pra lá... É também, a poetização das forças que destroem o sujeito da ação, que transfiguram o homem em marionetes do movimento de sucessão do civilizatório. A Roda Viva é o instrumento de fabricação do estado de bem-estar, da máxima do progresso neoliberal de uma sociedade brasileira moldada pelo espírito fascista, sacrificando os não-enquadrados ele produz os pensamentos numa esteira fordista.
Sua produção é o ritual triunfante da hegemonia, Chico Buarque nos propõe em similaridades Benjaminianas o desejo da luta, da crítica: Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela... O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.
1967 possui uma dialética peculiar, a dos sentimentos. O prodigioso modernismo tão necessário e esperado no Brasil; o medo do novo sentido pelos tradicionalistas; a certeza da catástrofe pré-imaginada pelos esquerdistas; o ódio ignorante pelos comunistas, fruto de uma construção política. Os grandes festivais realizados pela Record sintetizam através da arte o pensamento dinâmico das constantes e não declaradas lutas entre a tradição e a globalização.
As sínteses desses conflitos metaforizam-se na realidade de um movimento (tropicalismo), na exatidão de dois instrumentos: a guitarra e o violão. O primeiro é a tecnicidade que chegou ao Brasil, é a expectativa do primeiro mundo, é a antropofagia moderna de 22 às adaptações de quarenta décadas. O segundo é a problemática de encaixilhar o vindouro às tradições, é o questionamento das identidades nacionais, do espírito de pertencimento, de unicidade. É um período de ruptura, de questionamento, de descontinuidade, de Roda Viva.

sábado, 12 de novembro de 2011

Diálogos com a TV ligada

Matheus Martins
O que é criar algo novo? Como realmente perceber que as ideais correspondem a um turbilhão de inovações, a um desconhecido? O pretexto da inventividade percorria-lhe a mente, enquanto sentado em frente ao computador, tecia comentários anacrônicos e simuláveis.
Confuso, ficara imaginado perder-se no tempo como uma imagem de Dali que, a pouco, vislumbra em um texto amigo. Cada segundo esparso daquela noite de sábado lhe parecia curioso demais para ser confidencial. Por que perder aquele instante, jogado no amontoado de idéias descartas e “esquecidas”? Esquecer, engraçado, era o que mais o fazia lembrar. As dúvidas e inquietações que nos primeiros ouvires dicotômicos lhe rompiam as sensações de completude. E aquela velha história que concebia, já não caminhava mais com ele. Talvez estivesse lá, no amontoado descartado.
“Só penso”, era isso, mais uma vez o amigo lhe influenciava. A história, quiçá, nem exista. Ela só é simplesmente pensada. Como um sonho, a história se mostrava uma projeção daquele inconsciente, o qual conhecera através das leituras de Freud. A história é sonhada, é desejada. Conseguia imaginar aquilo. Até mesmo lhe parecia plausível. Mas como prová-lo? Como destruir, ou desconstruir, “cientificamente” (que ironia) a cientificidade da história?
Poder e saberes, suas relações com a dominação constituída; aquilo não era seu. Não digo seu, de autoria, até mesmo por que todo esse emaranhado de redes de força, só lhe era apreensível por lentes, alheias até mesmo ao seu maior divulgador. Ou seja, usar de Foulcalt seria imitar, por demais, os seus interlocutores. A televisão ligada começava a lhe tomar atenção. Mas, não queria perder o entusiasmo. Era esse o seu diferencial, parecia mais um artista, cuja performance depende completamente do vôo da inspiração.  Por isto mesmo, essa era a visão que possuía da historiografia.
Passava por sua mente, uma vez mais, as críticas de alguns professores. Como era possível? Senhores já tão estudos e aparentemente dinâmicos, mas com a cabeça tão lacrada para novas perspectivas? A análise literária é totalmente dependente da historiografia para sua contextualização, porque a análise histórica só recorre a literatura como um curiosidade, um supor micro, ligado somente as relações artístico culturais.
A televisão ligada lhe fez advertiu, há ouvintes que pensam os filmes históricos narrativas fiéis, verídicas aos fatos como eles de fato ocorreram. “Erro de Crasso”.  A literatura tão pouco o era, mas sua importância não seria aquela. Nela – acreditava – estava contido, de forma bruta, o sistema de raciocínio, o pensamento de seu escritor; que neste era inscrito pela sua época, sua vivencia, seus sentimentos. Lugares, sensações... Tempo, idéias... sua história, bruta; pronta para ser sonhada e desejada, como um lapidador sonha a jóia antes de trabalhar o mineral.
Instantaneamente, se fez incompreendido, como se pode refletir que tanto filmografia quanto literatura, não reproduzem o passado em sua exatidão (longe disto); e simultaneamente, aspirar que a história o faça, ou que ao menos se aproxime desta tarefa, literalmente (e ironicamente) homérica.
Um olhar desconcertante, para um mundo que tão torto lhe incomodava, de tal maneira que mais lhe parecia um espelho. Violência se confunde com excitação, dialogava com as imagens do UFC. “O Brasil tem mais um campeão do mundo”, ria ao se contestar se o bairrismo recifense havia tomado as terras tupiniquins. Neste mesmo pensamento, sem perder muitas palavras (ao menos o sentido se conservara), entendeu como os marcos de factualidade histórica permeavam sua imaginação. Confessava para si mesmo, com muito pesar, que as âncoras eram necessárias, para que os veleiros da imaginação, não tomassem todos os rumos possíveis e impossíveis, se mantivesse estável tanto em tempestades como em calmaria.
Alguém riria muito com isto, algum dia. Mas, a tarefa de uma âncora, afirmou, não é segurar o navio eternamente, muito pelo contrário, bom navio é aquele que por muito resiste navegando. Como as obras de Dali ... Como o disco “Inédito” de Tom Jobim... A história deve ser desejada com calma, a espera de inspiração... Ser desejada, e evidenciada neste desejo. Não se fica em cima do muro. Não afirmar partido, não significa não ter partido, muito menos que não este não esteja presente no discurso. Tomou o CD de Jobim na mão, a tela simples lhe encantava de uma forma inexplicável. Concluiu que esta era a maior similitude que apreendera, daquele instante com a história: o enigmático e o indescritível , o arrebatamento do instante se expandindo em futuro, passado, presente...
Já era mais de meia noite; o sono lhe doía a cabeça, o teclado quente do seu portátil lhe suava as mãos. Estava decidido a deixar o texto por assim mesmo. Assim o fez...

Eu não acredito em contos de fadas: Considerações a respeito do meu conceito de história.

                                                                                                                            Por: Estevam Machado

Já estou cansado de me ver perguntado, tanto pelos meus amigos como por mim mesmo: mas afinal, o que é história? E quando tento me explicar sou bombardeado de réplicas que me fazem repensar algumas posições, porém tenho uma idéia nuclear que não consegui tirar da minha mente, talvez seja por causa de que eu realmente acredite nisso: a história é ciência.
            Os novos historiadores, dentre eles os historiadores artistas, teimam em ser dicotômicos creditando aos defensores da cientificidade ora uma ingenuidade que não perceba as tensões entre as classes ora uma forma maquiavélica de maquiar, de velar essas ditas tensões, a serviço da força manipuladora das classes dominantes. Os defensores da cientificidade, ou são ingênuos ou estão a serviço “do mal”.
            Isso porque os inimigos da cientificidade encaram tanto a universidade, como toda a sociedade num geral como um grande restaurante, em que eles são garçons que servem ideologias a torto e a direito.
            E ponho-me a defender minha posição mais uma vez: não sou adepto à questão da simpatia à maneira agostiniana: “Et nemo nisi per amicitian cognocitur” ( Não se pode conhecer ninguém a não ser pela amizade ), instituindo assim uma relação harmoniosa, passiva entre o eu e o outro, o sujeito e o objeto, o historiador e a fonte. Nem tampouco a tristeza se abateu sobre mim quando tive que ressuscitar Cartago como falou Flaubert: “Peu de gens devineront combien il a fallu être triste pour ressusciter Carthage” ( poucas das pessoas compreendem o quanto tenho estado triste por ressuscitar Cartago).
            Porém mesmo não sendo adepto da questão da simpatia, não considero o espírito radicalmente crítico, sendo assim faço minhas as palavras de Marrou:

“Uma tal exacerbação do espírito crítico, longe de ser uma qualidade, seria para o historiador um vício radical,que o tornaria praticamente incapaz de reconhecer o significado real, o alcance, o valor dos documentos que estuda”[1]

           
No meu primeiro texto: A cientificidade da história – Refutações das ideias dos “historiadores artistas”, ao chamar os autores Nietzsche e Foucault de negacionistas, estava tentando explicar que principalmente o primeiro é um autor crítico aos moldes de que Marrou explica: “A crítica consegue demolir o edifício provisório de um conhecimento imperfeito, formula exigências úteis à reconstrução ulterior, mas em si mesma pouco contribui[2]. Até porque é mais fácil dinamitar uma construção do que erguê-la. 
Marrou entende a simpatia como estado construtivo e a crítica como a etapa destrutiva e é nessa relação dialética construção-destruição que  história se faz, como conquista progressiva do conhecimento do passado:

“Se o espírito crítico e a simpatia não são em si mesmos contraditórios, falta que estas duas virtudes sejam sempre fáceis de conciliar, que se encontrem igualmente representados no espírito de cada sábio. Mas a elaboração da história é o fruto de um esforço coletivo e os excessos de uns vêm corrigir as deficiências de outros. É útil ao progresso de nossa ciência que uma crítica exigente, e até mesmo injusta, venha despertar uma simpatia sonolenta prestes a deslizar para a complacência e para a facilidade.”[3]  

            E o amigo leitor deve estar se perguntando o porque do título? Entendo a história como um processo de racionalização do passado em que o historiador, está no meio tentando administrar o processo simpático em consonância com o processo crítico. Como dizia Aristóteles há muito tempo atrás, a virtude está no meio. E isso se adéqua a vida como também ao ofício de historiador.        





[1] Marrou, H. I. Do conhecimento histórico.3ª Edição. Editorial Aster, Lisboa, P.87
[2] Marrou, P. 89
[3] Marrou, PP. 88-9