sábado, 11 de fevereiro de 2012

O coiote e o papa-léguas

                                                                                                Por: Estevam Henrique Machado

Em algum deserto, o coiote está armando uma armadilha pra pegar o papa-léguas. Pode-se dizer que da mesma maneira nesse mesmo instante, algum historiador, em alguma parte do globo está debruçado por entre arquivos procurando as respostas para seus questionamentos.  De certo a triste estória do coiote faz-nos sensibilizar com o vilão que mesmo com todas as suas artimanhas comove o público quando é revelada a sua sorte.
            Podemos atribuir esse personagem ao historiador, pois, pela sede por explicações racionais/plausíveis para entender o desenrolar dos acontecimentos pretéritos utiliza diferentes metodologias – verdadeiras arapucas dignas das empresas ACME – com o intuito de revelar o passado ao leitor/estudioso.
            De certo, o coiote nunca consegue pegar o papa-léguas, de tal forma que também nos frustramos ao não poder perceber o passado como foi, porém essa frustração, não se deve se abater sobre nós a tal ponto de renegar o passado assim como a produção sobre este, como tão bem explica Dosse ao dizer que está havendo “uma tendência secular... que hipertrofiou cada vez mais o sujeito do conhecimento, tendência cujas raízes se fixam no solo nietzscheano”[1].
            O coiote pode também nos servir de exemplo, não pelas suas malfeitorias, e sim pela sua persistência, pegar o papa-léguas é, então, a sua missão maior, assim, o historiador não deveria se frustrar ao saber que a verdade está lá inalcançável, e ele se aproximando cada vez mais desta, sem nunca se apropriar dela como um todo. O coiote anseia um banquete ao pegar o papa-léguas, o historiador pretende se deleitar com o doce sabor da verdade, em sua essência.
            Essa impossibilidade natural de apreensão leva alguns pensadores pessimistas a declararem fim da história:

“em ambos os casos [Nietzsche de um lado e Michel Foucault e Jacques Derrida de outro], houve uma crítica contundente à modernidade e à razão, ao progresso e ao sentido dos processos históricos, muito embora não fossem dadas nem alternativas, nem elaborados ‘novos’ projetos de ‘transformação social’(...)”[2].
           
            Baseado nesses autores o historiador outrora que tinha a verdade como alvo, se distancia cada vez mais desta à medida que a descarta como possibilidade real e como um fim para  seu trabalho. A história é a busca pela verdade do passado. Não nego, portanto, o papel subjetivo da interpretação que é passível de erros, mas que é atualizada a cada nova “descoberta” histórica, sendo assim um único autor não consegue agremiar na sua obra uma história total, já que no processo pesquisa-escrita ele abre lacunas para que outros historiadores tentem preenchê-las a posteriori, assim como o mesmo fez com os autores que o precederam.
            Nietzsche foi infantil ao dizer no Aforismo 481 que “não há fatos, mas sim interpretações”[3]. Para se interpretar algo é preciso que esse algo exista e eu o aceite como verdadeiro, a interpretação por si só não existe se a causa primeira, o fato, não existir. Existe o fato e as interpretações dos fatos, essas que podem ser díspares, mas que não podem de maneira nenhuma macular a idéia de que existe um fato verdadeiro preexistente e que minha interpretação falha e inconclusa não o abocanhará em sua totalidade.    
            A grande questão é admitir os limites do pensamento histórico-racional,  Nietzsche com a idéia do homem-instinto ( denominado por ele de super homem ou além do homem dependendo da tradução ), coloca a racionalidade em cheque já que o caminho teleológico Nietzscheano é o estabelecimento de uma nova moral que é amoral, o que demonstra a esquizofrenia de seu pensamento. O historiador, portanto, ao seguir a linha de Nietzsche descarta a possibilidade de uma construção racional da história e vê-la apenas como o palco da legitimação do forte em detrimento do fraco pela vontade de poder.
           




[1] Dosse, François. Le tournant interprétatif et pragmatique de l’historiographie française, mimeo, Recife, 1995.citado por: Falcon, Francisco. “Historicismo”: a atualidade de uma questão aparentemente inatual. Revista tempo, Rio de Janeiro, vol. 4 1997 p. 7
[2] Roiz, Diogo da Silva. O ofício de historiador: entre a ‘ciência histórica’ e a ‘arte narrativa’. IN: história da historiografia, ouro preto, número 04, março, 2010, p.258
[3] NIETZSCHE, F. A vontade de poder. Tradução de Marcos Sinésio B. Fernandes e Francisco José D. de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007.