terça-feira, 27 de setembro de 2011

História e Poder - Uma Análise do Texto “Verdade e Poder” de Michel Foucault.



Rafael Santana Bezerra
           
            A historiografia em seus estudos decompôs o poder através das instituições representativas: o Rei, a Igreja, o Estado. De uma maneira geral o poder centralizado. Escrevia-se a História baseando-se nessas formas de análise, na impressão de uma propriedade do poder. Foucault nos ensina como essas forças estão capilarizadas. Ele nos propõe uma analítica do poder cotidiano, são os seus exercícios nas relações familiares, nas fábricas, nas escolas e nas prisões, em qualquer lugar, coexistindo às relações humanas. Não é uma análise histórico-materialista assemelhando-se a modos de produção, não nos apropriamos do poder, não o possuímos, não o temos. Ele só existe em estado de ação, é molecular, ou ainda, microfísico, é independente do sujeito de escolha.
Além de desnaturalizar o sentido de possessão do poder, Foucault desmascara o julgamento moral desses estudos. Houve um consenso em classificar a ação da força como puramente negativa, ou ainda, somente repressiva. Antes era somente o poder como instrumento para disciplinar, punir, castigar, ferir, explorar. Exercer a força era essencialmente produzir efeitos maus sobre os indivíduos. Não havia a possibilidade de creditá-lo a um movimento criador. O poder em Foucault é também criativo. É no momento do exercício, da ação, que o poder cria. Ele constrói discursos, formações familiares, sexualidades, ou ainda, prazeres. O poder cria verdades, loucuras, delinqüências.
Portanto, este teórico é fundamental para uma análise da História, não das formas pretéritas já estabelecidas, mas, garantido uma originalidade necessária e capital para o desenvolvimento do estudo de uma História/Poder:

Pois se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande superego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo – como se começa a conhecer – e também a nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. (FOUCAULT. 2003, p. 114);

Hoje, não podemos acreditar numa moralidade universal, numa ética que estaria presente em todos os profissionais da História. É improvável uma concepção de consciência coletiva. As verdades saltam, acendem e apagam-se nos tempos históricos. Não se trata de uma negação de todas as formas de verdades, é somente, colocá-las em contrariedade. É incluí-las num jogo de desconstrução. É dar movimento à concretude dos conceitos.
A luta maior deve-se a essas formas de manipulação dos direitos de declaração. Não na sua forma de alternativa, mas sob sua configuração de hegemonia. É através dessa nova óptica que se deve observar a História. Ela é muito mais do que simplesmente interpretação de fatos históricos.
A História é instrumento das vontades de poder. É em si mesmo uma materialização da vontade de saber. Apoderar-se da reconstituição do passado é uma relação já definida, um saber/poder: “O exercício do poder cria perpetuamente saber e, inversamente, o saber acarreta efeitos de poder[i]”. É, também, o poderio de definir os campos do conhecimento, suas constituições, suas delimitações, suas obrigações, suas finalidades e instituições.
Acreditar numa História inocente é um erro gravíssimo. É ignorá-la como arma. Como instrumento daqueles que possuíram o direito de constituir seus limites. Além disso, é dissolver sua importância. Ela é aparelho não somente daquelas influências de poderes evidentes, mas, sobretudo, de um emaranhado de forças que se sucedem e se transformam a cada instante.

Diziam os positivistas que os mortos governavam os vivos, o passado o presente. Ao reler a História com os olhos de hoje talvez pudéssemos dizer que os vivos, ao tentar reconstruir o passado, tentam governar os mortos na ilusão de poderem governar a si próprios. Ou, em versão pessimista, na frustração de o não poderem fazer. (CARVALHO. 1999, p.14)

            As historiografias nacionais exemplificam exatamente essa afirmação, elas culpam seus inimigos de suas mazelas, controlam o passado sob a rédea de seus domínios presentes. Os americanos fizeram entender que a Segunda Guerra foi fruto, sobretudo, da personalidade sádica de Hitler. Esquecem, ou ainda, fazem apagar da escrita da História todas as igualdades que construíram um campo de guerra. Anulam seus interesses, colocam-se como provedores da liberdade individual característica do neoliberalismo. É a estatua da liberdade contra os signos fascistas.
            Os marxistas, aqueles mais ferozmente dogmáticos, fazem construir uma História redesenhada sobre valores morais. Os proletariados assemelham-se na realidade a uma categoria penosa, merecedora de recompensas vindouras. Enquanto, aos burgueses, creditam todas as mazelas que a monopolização das riquezas constitui. É a História desenhada sob o enredo antagônico do Bem e do Mal.
            Stalin no auge de seu poder eliminou a figura representativa de Trotsky dos livros de História de toda a União Soviética. Getulio Vargas construiu uma imagem populista, financiou inúmeros intelectuais, construiu um governo vitorioso, através da negação de um passado de atrasos e a promessa de um futuro de progresso.
Juscelino Kubitschek criou o ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros -, que tomou a forma de difusão intelectual de seu modelo governista, o nacional-desenvolvimentismo. Era a validação do progresso sob verdades cientificas. Não se trata, somente, de colocar a História como investigadora dos conteúdos verdadeiros, mas, sobretudo, de interrogar as forças que validam certos conteúdos como falsos e verdadeiros, uma forma de compreender a relação entre o poder/saber.
Hoje, as produções intelectuais estão cada vez mais segmentadas, talvez este seja um assunto para outro debate, contudo, podemos perceber que os limites entre as disciplinas estão sendo gradativamente delineados. O conhecimento segue o ritmo das fábricas, do fordismo, do isolamento, da segregação. Eles são separados, é o perigo da união que fraciona os saberes.
As preocupações dos historiadores ao produzir suas obrassão cada vez mais salientes. Há um medo de ultrapassar certas barreiras, de invadir o campo da filosofia ou da sociologia, da literatura ou da filosofia, por exemplo. Esse medo revela não somente o querer distinguir-se, mas o desprestígio que certas disciplinas carregam na modernidade.
O historiador inquietado com as formas de hegemonia, àqueles que estão em contradição à conformidade devem se preocupar não em distinguir os “objetos” da História ou da Sociologia, mas, especialmente, entender como foram construídas condições objetivas dessas distinções, é procurar perceber como foram construídas categorias de segregação. É preciso então, livrar-nos dessas amarras, dessas prisões teóricas que insistem em mecanizar a produção historiográfica.
É através dessas análises, das constituições dos saberes, que questiono a cientificidade histórica. A modernidade classificou num patamar incrível de importância os conhecimentos científicos, nessa lógica fazer uma História não cientifica é menosprezar-se.
É uma longa busca da compreensão das condições macro-estruturais que as compõem. São as condições políticas, as estruturas de pensamentos, as condições materiais de uma época, a economia, as relações humanas. Houve, na realidade, uma busca dos métodos historiográficos para enquadrar-se nos momentâneos e prestigiosos dispositivos de verdade, desta forma força-se uma adaptação dos objetos a esses regimes constituintes do conhecimento. Existe todo um aparelho que limita o campo do verdadeiro, o historiador deve ampliá-los, ou quando necessário destruí-los
            É uma História inquietada com a formação do conhecimento. Sobre o inconstante questionamento de como o direito de dizer o que é importante estudar foi apropriado numa construção histórica. É uma preocupação também, acerca do que é estabelecido num certo domínio do verdadeiro e até onde vão os objetos de estudo, qual a distinção dos métodos. “Isto é, uma forma de História que dê conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objeto, etc.” (FOUCAULT, Pág7).
Não há equilíbrio, não há ausência, não há se quer imparcialidade. A História é também um exercício de escolhas dentro dos limites impostos. É a escrita do historiador sob suas concepções políticas, é o que ele defende ou o que ele julga que transpira por sua produção histórica.
A História nunca estará ausente dessas redes de poder. Exatamente por que ela no instante que se configura como conhecimento é automaticamente uma vontade de saber. A História é um poder materializado em conhecimento. Na realidade a intenção não é o desvencilhamento do poder na História. Não há essa possibilidade. Contudo, o desejo do genealogista é colocar o plano das alternativas. A ciência que procura enquadrar em seu domínio os conhecimentos históricos anula a possibilidade das especificidades, do jogo das analogias. Alimenta-se a ilusão, nessas ultimas gerações, de uma flexibilidade científica, contudo, estamos jogados, encobertos num jogo de limites, numa soberania de produção intelectual.
Não se tem a pretensão impossível de retirar o exercício do poder da História. Mas, lutar contra as formas de hegemonia do conhecimento. Fazer com que ela caminhe pelo seu amplo campo de opções. Devemos procurar questionar e transformar os regimes políticos das constituições das verdades, ou ainda sobre as palavras de Michel Foucault, a História deve: “Interrogar as relações entre as estruturas econômicas e políticas de nossa sociedade e conhecimento, não em seus conteúdos verdadeiros ou falsos, mas em suas funções de poder/saber”.

Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o poder das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento. (FOUCAULT, 2003, p. 14)

Não há mais espaço neste século para as formas centralizadas e representativas de poder. A ideologia difundida de liberdade e democracia tomou conta do imaginário popular, o sentido do exercício de poder está cada vez mais mascarado. O panóptismo é latente, consome a civilização moderna, retiraram-se os focos do poder, tornaram-se invisíveis, inconstantes e ainda mais inseguros e perigosos. Os conflitos são menos evidentes, estamos entregues num jogo de ilusões.
Diante de todo esse novo panorama histórico, num mundo onde a cultura globalizante insiste em enforcar as identidades locais, lugar onde as lutas se mascaram em protestos online, num campo onde o pensamento é duramente aniquilado pelos programas televisivos, deixo um questionamento que no futuro ambiciono responder. Alguns podem considerá-la banal, mas é fundamental para tudo aquilo que um dia pretendo conquistar: Qual o papel do intelectual no século XXI?

História e Narrativa: As Influências da Historiografia na Escrita da História

Anderson Rodrigues

A História pode ter inúmeros significados e atribuições, porém estas não podem fugir do compromisso com a verdade. A narrativa histórica, principalmente nos dias de hoje se vê em uma grande encruzilhada. Existe uma cobrança com a estética do texto com um intuito de ser tornar atrativo, porém o compromisso com a veracidade ainda perdura.
A busca de um passado real foi, mesmo de maneira suposta, um dos maiores desafios para o historiador. A busca dessa realidade do passado veio sempre atrelado a uma suposta verdade. Verdade essa para um historiador, não alcançada em concepções historiográficas que estão anteriores ao seu respectivo tempo. Em suma o historiador tinha ou tem o hábito de acreditar que a historiografia feita em seu tempo terá sempre um cunho de maior veracidade em relação aos trabalhos historiográficos produzido anteriormente.
Mas será mesmo que o nosso tempo é dono da verdade? Será que um historiador, embora, tenha esse compromisso realmente conta a verdade? Se contarmos a verdade, então onde ficam nossas interpretações do fato?
Para se começar a responder essas três interrogações supracitadas acima, temos que de inicio nos ater a dúvida como enceto de todo o conhecimento, sobretudo àqueles que se remetem ao estudo do passado. Temos que ter a consciência de como e por quais motivos o historiador que escreveu anteriormente ao meu tempo obteve tais conclusões. A historiografia estará sempre presa as limitações de quem escreve, pois numa pesquisa histórica ainda de maneira involuntária colocamos nossos medos, esquecimentos (recortes), traumas, anseios, julgamentos, interpretações dentre outros.
Talvez, eu, neste momento seja um tanto pretensioso, porém me arrisco afirmar que todos esses motivos estão presos e subjugados a existência de um fator no qual, esteve sempre presente e inerente a todo ser humano: o tempo.
Toda a história é fruto do seu próprio tempo. Somos influenciados pelo anseio de nossa sociedade, por isso, ao resignificar um fato do passado levamos em consideração as respostas que nós, e a sociedade, ansiamos tê-la. A explicação do passado estará sempre na mão do historiador.
O exemplo maior disso se faz presente quando, ainda se há discussões sobre o holocausto sofrido pelos judeus na Alemanha. Mesmo com provas físicas das ferocidades sofridas pelo povo judaico em campos de concentração existe uma corrente que se diz, contraria ao fato desta violência. Então, onde está a verdade? Os revisionistas do holocausto quando não negam a sua existência se remetem a seguinte tese: o porquê de continuarmos colocando o fardo da culpa pela violência no povo alemão que, estava apenas em busca da reconquista de sua dignidade perdida desde primeira guerra mundial.
Ao falar de guerras é quase que, indispensável nos remetermos ao campo da historia dos vencedores em relação aos vencidos. Para ser bem breve com esse pensamento, vou utilizar-me, mais uma vez, de pretensão para uma boa persuasão. Vamos imaginar que o resultado da segunda guerra mundial fosse outro. Vamos nos ater a imaginação que os países do eixo (Alemanha, Itália e Japão) conseguissem triunfar sobre os aliados e, sobretudo os EUA. É totalmente imaginável que a conjuntura do mundo seria totalmente contraria a vivida hoje. A história seria contada de acordo com o olhar dos vencedores e no caso do holocausto, seria explicado de acordo com a visão e o anseio alemão.
 Poderia citar inúmeros exemplos de que a história é, na maioria dos casos, dos vencedores. Mesmo quando temos o privilegio de possuirmos relatos vivos de pessoas no qual, viveram os grandes fatos da história, ainda sim não temos a suposta verdade absoluta.
Sobre isso temos que observar de maneira consciente que, “nossos relatos estão presos a nossa memória”. Ao dizer isso talvez, posso me parecer, um pouco obvio demais, mas ao falar da memória não me remeto apenas àquela esquecida involuntariamente pela situação de sermos seres humanos e, portanto cheio de falhas ocasionadas pela nossa mortalidade. Temos de ter a consciência que ao enfatizar um discurso de um memorando e colocá-lo como uma verdade absoluta estamos assim, esquecendo qualquer outro ponto de vista contrario a essa narrativa.
Esse outro ponto de vista pode ter ocorrido com pessoas que também estiveram e viveram o fato, apenas naquele momento não estão lá para contar a sua forma do acontecimento. E nós estudantes do passado, de maneira puramente arbitraria colocamos o relato do vivido como a grande veracidade.
Com novos estudos sobre verdade, memória e história a visão do historiador no decorrer do tempo vêm mudando. A relativização do fato a cada dia se torna mais presente. Não estou dizendo com isso que atualmente o historiador se omite em contar fatos, mas que, ele hoje tem uma maior consciência de que seus escritos não são, de maneira nenhuma, verdades absolutas.
Um dos autores mais estudados na pós-modernidade é um dos maiores responsáveis para essa dúvida das verdades históricas, estou falando de Friedrich Wilhelm Nietzsche. Ao por em dúvida as verdades do seu tempo, Nietzsche é estudado de maneira resignificativa, quando estudamos a verdade histórica. O próprio filósofo afirma que ao contarmos o passado “não passamos de querer impor nossa vontade de poder e o que existe não é o fato, mas sim as interpretações dele”. Poderia aqui citar e explicitar exemplos de inúmeros autores que mesmo contrários as teorias nietzscheanas contribuíram para trazer a tona tudo que foi exposto acima.
Ao estudar isso o historiador ao construir sua narrativa não se atém a uma busca incessante de uma verdade única, mas sim existe uma procura pelas “verdades”. É obrigação do historiador mostrar as diferentes formas de contar a história e ter a noção que todas elas estão sendo influenciadas pelos fatores já aqui abordados.
É importante nesse momento ressaltar que, apesar de toda negação da verdade absoluta do fato trazida nos tempos de hoje, ainda é obrigação do historiador tentar chegar a um nível de explicação do que está sendo abordado. Para isso, ele se utiliza de sua maior arma a narrativa.
O método narrativo, portanto serve para o historiador como um elo entre sua pesquisa e o leitor. Sobre o grande desafio do uso da narrativa histórica podemos citar dois grandes autores muito reverenciados hoje pela intelectualidade são eles: Paul Veyne e Paul Ricoeur. Com Veyne percebemos a questão da causalidade, ou seja, a situação de causa e efeito negada pela escola de Annales. Segundo Veyne quando procuramos as causas para um acontecimento explicamos a mesma de forma mais penetrante e precisa. Quando negamos a causa e efeito e nos remetemos a uma espécie de história mais problemática e explicativa estamos fazendo diz Vayne: “explicar mais é contar melhor, e de qualquer modo não se pode contar sem explicar”. De acordo com isso a explicação do fato é sujeita à narrativa.
Ao estudar essa questão da narrativa em Paul Ricoeur somos convencidos que ao narrar o fato buscamos dar a ele o significado teórico. Com Ricoeur a discussão da temporalidade na narrativa é bem interessante. Ele explica que um relato do passado é tido com o uso da narrativa ao contar fatos. Porém estes não podem consistir como a maior verdade. O relato também pode causar interpretações errôneas da intenção primeira, contada pelo relator.
 Para encerrar esta pequena abordagem sobre Ricoeur, ressalto a relação da temporalidade com a narrativa. A função da narrativa é, também, de dar um caráter temporal a vida. O nosso tempo humano, só se figura como tal, a partir do momento que fazemos uso da narrativa para explicá-lo. Em suma: a explicação do que somos, de onde estamos e a causa disso só podem ser explicadas de acordo com a temporalidade, mas, esta só se faz possível quando se faz uso da narrativa.
Tenho a impressão que o estudo e as discussões sobre a veracidade histórica e as temáticas que existentes em sua volta, nunca chegarão a um fim. Vejo essa abordagem de forma primordial para não deixarmos a mais linda das ciências cair em uma mesmice. Diante do exposto, acredito que, ninguém poderá afirmar que a história é algo morto e estático. A cada releitura e novas descobertas modificamos a interpretação do passado e, com isso, reformulamos o presente.
Isso que é fantástico na História, não se ater pelo menos de forma parcial, a questões físicas. A discussão é sempre válida para se manter viva o estudo histórico. No dia em que se acabar as discussões históricas não teremos mais motivos para se estudar o passado.