quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Narrar o passado, construir inquietudes e ampliar o inacabado

Por: Estevam Machado

             A desumanidade da realidade nos obriga às vezes a optar por caminhos sinuosos ao contar determinadas situações, andando pela tangente e evitando chegar a essa conclusão: A vida nua e crua é cruel. O choque, às vezes, ao invés de pedagogo é o instrutor do caos. Apaziguamos nossos instintos selvagens com um vocabulário manso e pouco perturbador e acabamos falando amenidades. O narrar exige um interlocutor e ninguém quer ser um primo Levi.
            Teimo, portanto em me perguntar: Por que escrevemos história? Qual motivo, o sentimento que nos move a narrar sobre o que muitos não se interessam em ouvir? Reflito sobre este fragmento de Löwith:
“O futuro é o ponto nuclear da história, pressuposto que a verdade assente no fundamento religioso do ocidente cristão, cuja consciência histórica é determinada pelo motivo escatológico: de Isaias até Marx, de Santo Agostinho até Hegel, e de Joaquim até Schelling. A significação dessa direção do olhar voltado para o fim último, como fins e como telos consiste em que ela proporciona um esquema de ordem progressiva e de dotação de sentido que pôde superar o antigo temor do fatum e da fortuna[1]
            As religiões e ideologias estão cada vez mais desacreditadas, assim os sentidos creditados por elas à história caem por terra diante de investigações racionais. O sentido teleológico da história, desacreditado, nos força a pensar em novas possibilidades, estamos entregues à fortuna, ao acaso, e o medo tem de ser superado com a nossa razão iluminadora.
            Escrevemos história não pelo passado, nem pelo presente, não sentimos os sentimentos dos antigos, nem nossa vida no presente nos dá muitos subsídios para querer escrever o que muitos não querem ler – e não há frustração maior do que ser um escritor não é lido –, escrevemos história por que temos esperança.
            Temos esperança de legar aos nossos descendentes o que ainda não foi comido pelas traças, nem destruídos pelos poderosos, transmitimos aos que virão a nossa memória e a memória dos antigos. A história é uma prova de amor às novas gerações, lembro, portanto, de Antônio Paulo Rezende: “A história é escrita para que o amanhã aconteça. Ela é semente e ousadia diante das subtrações que se aceleram nos instantes de velhice.”[2]      



[1] LÖWITH, Karl. Weltgeschihte und Heilgeschehen. Stuttgart, Berlin, Köln, Mainz: Koohlhammer, 1979, p.125s.
[2] REZENDE, Antônio Paulo. Ruídos do efêmero: histórias de dentro e de fora. Editora universitária UFPE, 2010

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A Verdadeira História está Dormindo


Rafael Santana

Não há mistérios em perceber a anti-leveza do dia. Os desagradáveis despertadores sinalizam a corrida matinal. Destroem o equilíbrio satisfatório do sono e retiram-nos de nossos próprios ventres. O relógio é perverso, é um feitor que chicoteia através de ponteiros. Eles ditam o ritmo da sociedade moderna, agendam-nos em horas exatas, aceleram-nos através dos cronômetros, entristece-nos no fim do ciclo. É uma das mais fantásticas invenções humanas, laçamos o tempo no pulso. Penduramos o tempo nas paredes.
O Homem saboreia a divina sensação de “dominá-lo", infelizmente, toda criação humana foi na realidade um processo de aprisionamento, de auto-dominação, ou melhor, um auto-flagelo cicatrizado. Imaginamos Ulisses controlando sua natureza, é, pois, todo homem moderno. Não há nada mais selvagem que o tempo. E os burgueses como sábias criaturas das financias utilizaram a soberba humana com a mais maléfica racionalidade, tempo é dinheiro.
Ao trabalhador recorre-se somente a dor das contorções, dos efeitos do cotidiano, das insuficiências familiares, dos paladares neutros, da mente perturbada, do desejo do ter, da ausência do ser. Nada mais lastimável do que qualquer peste bubônica, ou qualquer epidemia mundial é esta doença moderna, essa melancolia, essa falta de passado. O relógio moderno só anda para o futuro. E para onde vai toda referência?  
Estamos entrando num processo de a-historicidade. Não quero dizer com isso que os fatos extraordinários são as únicas importâncias ao estudo da História, ou que, o cotidiano e as especificidades nada representem, não se trata disso. É na realidade a constante e progressiva insatisfação, indiferença e menosprezo aos estudos históricos. Esse processo de esquecimento diário deixa-nos feliz como qualquer outro animal ao fim de uma refeição. O Homem civilizado está colocando antolhos. Não há maior potencialidade ao conformismo. Bagunçar o passado é dissolver as ataduras da dominação, é o primeiro passo para a mudança, para as realizações. É o inicio dos questionamentos, da dúvida. Essa depreciação da História é fruto do cotidiano que nos impele de pensar.
Entretanto, não podemos exigir dos infelizes que ao fim do dia lamentam-se das poucas horas de sono. Guardam para si os desejos do futuro e os espiritualizam no plano solúvel do sonho. Estas são na realidade as virtualidades históricas, daquilo que se quer, que nunca foi e que provavelmente nunca será. A verdadeira História desses homens hiberna com sua fadiga. Ou melhor, sob os dizeres do filosofo Walter Benjamin em sua belíssima obra Experiência e Pobreza: Ao cansaço segue-se o sonho, e não é raro que o sonho compense a tristeza e o desânimo do dia, realizando a existência inteiramente simples e absolutamente grandiosa que não pode ser realizada durante o dia, por falta de forças.  

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Proferindo o Pragmático, Sussurrando por Doces Acasos


                                                                                                                                  Wayne Rodrigues

Traçar o dia e contemplar o inimaginável...

Traçar o dia e contemplar o inimaginável...


O belo título quase faz esquecer-me de algumas coisas. Quase me faz acreditar que se trata de mais um bom texto seu (Rafael). Porém, você trata logo mostrar que não na dedicatória. É mais que um bom texto. É a transformação de algo ruim em algo afável. Canalizando experiências.
Por melhor que o texto esteja – o segundo e terceiro parágrafo estão perfeitos, já lhe disse várias vezes isto, eu preferiria que o fato inspirador nunca tivesse ocorrido. Acho que você me entende.

A História, indo mais a fundo, é mesmo a construção das possibilidades. Do esperado e do inesperado. Ambos se confundem e a mistura dos dois a completa, ou mesmo a forma. Não só ela, mas a vida. E o que é História se não a interpretação da vida (humana) e suas implicações? Dos acontecimentos, sejam eles grandiosos ou os vistos como banais. O historiador assume a responsabilidade de registrar e interpretar tais fatos e o faz a seu modo. De acordo com suas convicções, sua formação, seus interesses. Descreve, interpreta, destaca. Acentua propositalmente o que julga importante.

O criticar, o pensar diferente, acaba sendo um doce dissabor que perpetua a magia histórica. Tal ofício, então, faz-se essencial.

Traçar o dia é tarefa das mais comuns na vida. É algo extremamente indispensável nos atuais padrões de vida. A vida é o planejar. Contemplar o inimaginável pode ser tarefa inimaginavelmente inesperada. Poucos conseguem refletir sobre o acaso previamente. E, consumado o acaso, pensar sobre ele nem sempre é tarefa das mais confortáveis. O homem prefere, para conseguir viver, para caracterizar-se como tal, não esperar o inesperado. Negá-lo é o que se faz, mesmo torcendo escondido, talvez à noite, para que, se vier, venha como bons acasos. Fato muito compreensível. É mais cômodo planejar. Mais humano.

“A História é imprevisível”, não sei quem falou, mas creio que seja verdade. Na verdade, na vida e na Historia (que aqui acabam se confundindo, talvez) não sabemos o que, de fato, aconteceu. Imaginamos, inventamos verdades e mentiras a todo instante. Construímos eventos. Tampouco sabemos o que vai acontecer. Planejamos com os dedos cruzados. Torcendo então para que boas surpresas venham e acrescentem benesses.

sábado, 14 de abril de 2012

Traçar o Dia e Contemplar o Inimaginável

Por Rafael Santana

         Longe de qualquer obrigatoriedade de conclusão, este texto, foi pensado a partir de uma inspiração indesejável. “Quem imaginava que estaríamos aqui no fim do dia?" A frase de um amigo lamentava o acaso de estarmos num hospital, quando, provavelmente, deveríamos estar na Universidade. Este texto é a materialização de um dia conturbado. Consertando os dizeres do senso comum: O futuro ao acaso pertence. Obrigado a Anderson Rodrigues, Wayne Rodrigues, Matheus Amilton e Rodrigo Lemos.

A capacidade de dominar o instante em que as ações se submergem é o que transforma o animal em humanidade. Negar a si mesmo é sentir o desprazer glorioso de ser superior. Não deixar ser totalmente engolido pelo agora é o que nos difere da natureza. Planejar, relembrar, memorizar, esquecer, representar, objetivar... Ser, não é se não um ininterrupto ter sido. Uma coisa que vive de se negar e de se contradizer a si própria. As palavras de Nietzsche, talvez, expliquem a importância do marco representativo da experiência humana que é absorver o passado. É, foi, será. O tempo não é desconectado, os minutos se comunicam, as horas se entrelaçam.

            A noite é para o Homem moderno o momento do esclarecimento, da reposição, do fim ao recomeço, projetar o outro dia é a sua função. A lógica contemporânea nos obriga a delimitar nossas ações de acordo com o inicio e fim do tempo mercadológico. Criticar passou a ser mérito dos ociosos. Computa-se cada caminho que fazemos, cada coletivo que nos transportam, cada prazer que desprezamos. As paisagens são retratos do cotidiano, contemplá-las não é mais o deleite do viajante, mas desgosto do rotineiro. É no descanso que se planeja o cansaço do amanhã.

O dia é um grande enredo teatral. Eles são por inteiros, em Aristóteles, constituídos de começo, meio e fim. Os enredos bem constituídos, portanto, não devem começar nem terminar num ponto qualquer, ao acaso, mas servir-se dos princípios referidos. Pensar as tragédias sobre o caráter das peripécias, predizer a vida sob a identidade do devir, daquilo que altera as ações, que danifica o pré-estabelecido, é fazer dessas narrativas um diálogo incompreensível. É necessário então, para a beleza da obra residi-la sobre a ordem, a História passa a ter com a ajuda cristã um enredo completo.

            A História tradicional foi escrita à noite sob a luz artificial da razão técnica. O desgaste da narrativa positivista é justamente a incapacidade de perceber o que está fora da rotina, do que está além do alivio que representa os agendamentos. O historiador tradicional repousa na repugnância única em pensar a diferença, em descrever os afastamentos, em desintegrar a forma tranquilizadora do idêntico. (Foucault. Arqueologia do Saber).

            A civilização é um grande palimpsesto, poucos conseguem perceber o oculto dentro da oficialidade, as versões negadas, as frases transparentes, as vozes sem legendas e inaudíveis. A cidade moderna é fruto da projeção noturna dos racionalistas. Limpeza, perfeição, ordenação, cotidiano, hábito, série, todas essas palavras são sinônimos da mesma agressão. A História residia nestes ambientes, ou então, nas gloriosas lutas que representavam o fardo do homem branco. O dia nos revela aquilo que podemos ver, que é transparente, comportado, que destrói toda potência.

            A função dos historiadores foi por muito tempo escrever uma história dos bem-educados, talvez, pudéssemos denomina-la como a propaganda das nações. Uma linguagem simbólica que relembrasse os feitos dos nossos governantes. O conhecimento residia nestes locais limpos e corteses. A verdade é uma soberba que não frequenta as imundices, ir além da iluminação artificial é perder-se. A madrugada da cidade é palco de protagonistas desconhecidos, as prostitutas, os mendigos, os vagabundos, os marginais, os estratificados.

Todas essas coisas não podem aparecer na luz da Razão. Elas são tão necessárias ao seu estabelecimento quanto protagonistas de sua própria destruição. Negá-las é a necessidade do continuísmo, aflorar sua existência é questionar a perfectibilidade, o progresso, a beleza. Hoje, não podemos mais ser absorvidos pela ligeireza das necessidades capitalistas, ou ainda, sermos meras peças do projeto lógico. Devemos escavar as vozes atropeladas pelo texto oficial. Decodificar o que sobrou da unidade. O que não aparece no dia, mas que se esconde da noite não iluminada.

terça-feira, 13 de março de 2012

Arquitetura da Destruição – A Arte da Guerra


Rafael Santana Bezerra



            Se um dia fosse possível fazer uma história das ideias globalizantes perceberíamos como ela estaria repleta de violência e sangue. A II Guerra Mundial foi o palco onde mais uma proposta de perfeição revelou a catástrofe das ideologias etino-centristas. O Nazismo mergulhou no engano de absorver as máximas do progresso técnico ao mundo social e orgânico. Arianismo na Alemanha do inicio do Século XX era sinônimo de pureza.

            A proposta política e social do nazismo era claramente estabelecida. A limpeza racial era o motor do desenvolvimento humano e econômico, eliminar os judeus e os incapazes era essencial para retirar da Alemanha o seu status coadjuvante no panorama mundial. O Arianismo foi se constituindo como o modelo de homem perfeito, é a ideia da perfectibilidade do gênero humano. Hitler aliou-se a uma gama de cientistas, arquitetos, músicos, médicos, juntos construíram um projeto de um novo Império Alemão. Criou-se uma medicina que desejava afastar do corpo perfeito os males contagiosos, eliminar os incuráveis.

            O Expressionismo revelava ao mundo os seus próprios problemas, é a arte do mal-estar da civilização, é a expressão da dor, da guerra, da desilusão ante o progresso técnico e cultural. Aos nazistas o Expressionismo ganhava o caráter de arte degenerada, era a produção dos não racionais, dos incapazes, dos judeus, dos sujos, dos não arianos, uma arte que deveria ser banida de todo o “império germânico”, a contaminação através das imagens pintadas pelos “alienados” era perigosa e colocava em risco o projeto de uma nova e superior Alemanha. 

A fantástica histeria do povo alemão foi fruto, sobretudo, das incisivas políticas de propaganda do partido nazista. Hitler mostrava aos alemães que o futuro era uma catástrofe singular, e que o nazismo era a única saída vitoriosa, eles eliminariam os impuros e retirariam os arianos da decadência. O documentário sueco do diretor Peter Cohen percorre essa estratégia metodológica de recriar a mentalidade do povo adepto às ideologias nazistas através das antigas propagandas. Os Judeus eram denominados ratos e deveriam ser destruídos, eram responsabilizados pela desonra, pela sujeira, pela destruição da civilização germânica.

A luta de classes deveria ser banida do mundo econômico, a ideação do bem-estar social germânico perpassava quase que inevitavelmente pela própria limpeza do trabalho. Condicionar ao proletariado alemão condições de limpeza, salários, resumidamente, desejava-se o fim das insatisfações trabalhistas a partir da purificação do trabalho.

            “Arquitetura da Destruição”, antes de se constituir como um documentário de análise político-econômico da II Guerra Mundial é uma bela sugestão de inovação metodológica para a escrita da história. O filme analisa os projetos arquitetônicos de Hitler, as suas preocupações com uma definição de belas artes, de uma maneira geral, denúncia às inquietações nazistas com a estética.

Uma gama de material projetado por Hitler é revelada no filme, ela nos dá a sensação de uma contrariedade histórica, nos, propõe, salve as incertezas do acaso, “o que poderia ter sido”. As plantas arquitetônicas demonstram o desejo do grande império, talvez, os escandalosos monumentos configurem-se como o simbolismo da vitória, da perfeição. O documentário é uma bela narrativa das utopias, dos desejos sádicos e imperialista do mundo nazista, é uma descrição dos projetos, das intenções, das mentalidades.

O filme, entretanto, cai no erro de ignorar o ódio dos nazistas pelos comunistas e partidários de esquerda. Estes foram juntamente com homossexuais, deficientes, negros, ciganos, judeus, alvos do projeto de pureza. A limpeza orgânica misturava-se com as abstrações políticas, fazia-se na realidade uma limpeza à contrariedade da ordem nazista e burguesa. O título de artista frustrado para Hitler é um eufemismo à sua arte de destruir.  

            O documentário de Peter Cohen nos propõe, talvez, muito implicitamente os perigos da má interpretação do conhecimento histórico. Hitler mergulha numa empatia perigosa pelas civilizações gregas, romanas e espartanas, uma simpatia que privilegia as ações militares e universalizantes desses povos. Este é, quem sabe, o maior perigo do historicismo, apaixonar-se pelos vencedores e basear-se nas mesmas atrocidades do passado.
            




sábado, 11 de fevereiro de 2012

O coiote e o papa-léguas

                                                                                                Por: Estevam Henrique Machado

Em algum deserto, o coiote está armando uma armadilha pra pegar o papa-léguas. Pode-se dizer que da mesma maneira nesse mesmo instante, algum historiador, em alguma parte do globo está debruçado por entre arquivos procurando as respostas para seus questionamentos.  De certo a triste estória do coiote faz-nos sensibilizar com o vilão que mesmo com todas as suas artimanhas comove o público quando é revelada a sua sorte.
            Podemos atribuir esse personagem ao historiador, pois, pela sede por explicações racionais/plausíveis para entender o desenrolar dos acontecimentos pretéritos utiliza diferentes metodologias – verdadeiras arapucas dignas das empresas ACME – com o intuito de revelar o passado ao leitor/estudioso.
            De certo, o coiote nunca consegue pegar o papa-léguas, de tal forma que também nos frustramos ao não poder perceber o passado como foi, porém essa frustração, não se deve se abater sobre nós a tal ponto de renegar o passado assim como a produção sobre este, como tão bem explica Dosse ao dizer que está havendo “uma tendência secular... que hipertrofiou cada vez mais o sujeito do conhecimento, tendência cujas raízes se fixam no solo nietzscheano”[1].
            O coiote pode também nos servir de exemplo, não pelas suas malfeitorias, e sim pela sua persistência, pegar o papa-léguas é, então, a sua missão maior, assim, o historiador não deveria se frustrar ao saber que a verdade está lá inalcançável, e ele se aproximando cada vez mais desta, sem nunca se apropriar dela como um todo. O coiote anseia um banquete ao pegar o papa-léguas, o historiador pretende se deleitar com o doce sabor da verdade, em sua essência.
            Essa impossibilidade natural de apreensão leva alguns pensadores pessimistas a declararem fim da história:

“em ambos os casos [Nietzsche de um lado e Michel Foucault e Jacques Derrida de outro], houve uma crítica contundente à modernidade e à razão, ao progresso e ao sentido dos processos históricos, muito embora não fossem dadas nem alternativas, nem elaborados ‘novos’ projetos de ‘transformação social’(...)”[2].
           
            Baseado nesses autores o historiador outrora que tinha a verdade como alvo, se distancia cada vez mais desta à medida que a descarta como possibilidade real e como um fim para  seu trabalho. A história é a busca pela verdade do passado. Não nego, portanto, o papel subjetivo da interpretação que é passível de erros, mas que é atualizada a cada nova “descoberta” histórica, sendo assim um único autor não consegue agremiar na sua obra uma história total, já que no processo pesquisa-escrita ele abre lacunas para que outros historiadores tentem preenchê-las a posteriori, assim como o mesmo fez com os autores que o precederam.
            Nietzsche foi infantil ao dizer no Aforismo 481 que “não há fatos, mas sim interpretações”[3]. Para se interpretar algo é preciso que esse algo exista e eu o aceite como verdadeiro, a interpretação por si só não existe se a causa primeira, o fato, não existir. Existe o fato e as interpretações dos fatos, essas que podem ser díspares, mas que não podem de maneira nenhuma macular a idéia de que existe um fato verdadeiro preexistente e que minha interpretação falha e inconclusa não o abocanhará em sua totalidade.    
            A grande questão é admitir os limites do pensamento histórico-racional,  Nietzsche com a idéia do homem-instinto ( denominado por ele de super homem ou além do homem dependendo da tradução ), coloca a racionalidade em cheque já que o caminho teleológico Nietzscheano é o estabelecimento de uma nova moral que é amoral, o que demonstra a esquizofrenia de seu pensamento. O historiador, portanto, ao seguir a linha de Nietzsche descarta a possibilidade de uma construção racional da história e vê-la apenas como o palco da legitimação do forte em detrimento do fraco pela vontade de poder.
           




[1] Dosse, François. Le tournant interprétatif et pragmatique de l’historiographie française, mimeo, Recife, 1995.citado por: Falcon, Francisco. “Historicismo”: a atualidade de uma questão aparentemente inatual. Revista tempo, Rio de Janeiro, vol. 4 1997 p. 7
[2] Roiz, Diogo da Silva. O ofício de historiador: entre a ‘ciência histórica’ e a ‘arte narrativa’. IN: história da historiografia, ouro preto, número 04, março, 2010, p.258
[3] NIETZSCHE, F. A vontade de poder. Tradução de Marcos Sinésio B. Fernandes e Francisco José D. de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007.