quinta-feira, 11 de agosto de 2011

História - Além da Arte da Filosofia e da Ciência


                                                    Por: Rafael Santana

           Esse texto não tem nenhuma pretensão em tornar-se acadêmico - inclusive, faltam-me propriedades intelectuais - é na verdade uma grande fuga, ou ainda, uma carta/dialogo aos amigos que estão apreensivos com os questionamentos sobre a cientificidade histórica. E mais ainda, as inquietudes desses jovens historiadores permeiam pela essência da profissão enquanto garantia de mercado, é o medo da extinção da profissão: Historiador. Resolvemos estabelecer curtos textos defendendo nossas perspectivas, além, é claro, de fundar argumentações flexíveis capazes de transformar nossos pensamentos. 
A História não tem nenhuma necessidade em ser ciência. Vai além daquilo que jamais veremos duas vezes (VEYNE), é o inexperimentável, é o não - rever. É insolúvel ao conceito de ciência do mundo natural. A História é o infinito espaço entre o acontecimento jamais alcançável novamente e a hermenêutica do historiador. Não é a restrição do pragmatismo cientifico. Não é a certeza imóvel da “verdade”, porque não é somente ela que interessa ao historiador. Ele trabalha com o obscuro, com o que se diz sem necessariamente pronunciamentos concretos, seu objeto é alegórico por essência. O passado não pode ser revistado como ele foi, é fruto das declarações consecutivas, não há objeto imutável de verificação, a fonte histórica é subjetiva. E a História, por conseguinte, é essencialmente metafórica.
            O termo “Ciência” é o resoluto da máxima cartesiana do termo “claro e distinto”, daquilo que é induvidavel, inviolável. Tal conceito abrange-se na modernidade, consome a sociedade, transforma o pensamento, abala a religião, o mito, a tradição, a filosofia, fere a explicação irracional, destrói a explicação alternativa. O historiador que faz somente uma História Cientifica, limita-se.
            Não é difícil perceber, que a tradição racional divinizou as explicações cientifico-metodologicas, explicar algo fora dos padrões da lógica é colocar-se num patamar abaixo dos dizeres científicos, é menosprezar-se. É neste sentido, que ainda hoje, percebemos milhões de historiadores preocupados em fazer Ciência. Há uma necessidade de sobrevivência no mercado de produzir por conceituação, e hoje, a Ciência no sentido técnico é o que rege a “episteme contemporânea”, é o que configura as produções de mercado, é o que estabelece importância. Fazer História tornou-se etapa da produção, mecanizado, organizado, tecnificado, anticriativo. Não por outro motivo, vemos em nossa sociedade a plena desvalorização dos saberes Filosóficos, Históricos, Sociológicos, Antropológicos, Psicológicos, ou seja, há uma supervalorização de mercado nas disciplinas ligadas a tal conceito de exatidão.
A verdade será sempre aquilo que não transcende ao paradigma cultural de cada época, hoje é que não vai além dos dizeres científicos.
Essa crítica aos historiadores cientificistas é de não perceber esse movimento histórico, essa produção discursiva daqueles que tiveram ao longo do tempo o direito de estabelecer o que é preciso estudar, e de como se faz o estudo.
Mais uma vez repito: a História não tem necessidade da Ciência, esta última é limitante da disciplina. Há os que contestarão esta interpretação utilizando-se do método histórico. Não nego, a História possui um método, mas não cientifico, tal como se quer as Ciências. O método histórico é fruto das analises dos filósofos e historiadores, que encontraram maneiras de realizar interpretações do passado. É fruto de cada contemporaneidade que descobriu formas de interpretar e analisar as fontes, que como já vimos, é por si só linguagem. A História antes de qualquer coisa pertence ao reino da expressão. O método é o como escrever, é a relação hermenêutica do historiador e a fonte histórica, é o como construí-la, uma sugestão de interpretar o que nos foi herdado do passado (fonte documental, oral, tradição, monumentos), sob nossas perspectivas. O historiador assemelha-se aos poetas e aos literários, ou a um grande artista de rua, que estabelece ordem nos versos ou ritmo próprio.
Se atribuirmos ao conceito de Ciência a utilização de métodos, o que poderíamos dizer de tantos artistas e filósofos que seguem um padrão interpretativo da arte, ou da vida? Seriam eles artísticas científicos?  Picasso e a cientificidade do cubismo? Deixemos de lado as ironias. O historiador é um artista da expressão interpretativa do passado. É um filosofo da crítica do presente. O Historiador é único, possui linguagem própria, a linguagem da História. Utilizei até agora comparações com artistas, filósofos, como um mero recurso retórico, numa tentativa simplista de desvincular o prestigio do discurso cientifico. Acredito que o leitor mais fervoroso à cientificidade histórica leu com muita repulsa, é por esse motivo que me justifico aqui, para não fazê-lo depois.
Discussão a cerca da cientificidade da História nos aparece hoje um pouco antiquado, o cerne de toda a preocupação deve-se de fato, ao que já foi dito anteriormente, ao prestigio que o conceito de ciência carrega na modernidade. O mundo moderno estabeleceu como necessário todo conhecimento institucionalizado, e é através desta instituição que os dizeres são classificados como verdadeiros ou falsos. Hoje, existe uma indústria institucional da verdade.
Tentaremos então, nos desvencilhar de tais conceitos. Heródoto é o exemplo mais clássico possível, não há historiador que não o conheça. O pai da História não precisou das arrogantes metodologias cientificas para analisar sua sociedade, muito menos para entrar na própria historiografia como um dos mais importantes historiadores. Em boa parte da humanidade as coisas só são percebidas no estado em que ela nos apresenta, é seu caráter momentâneo, ou ainda, aquilo que Michel Foucault descreve como estado emergencial. Anulamos - ainda que sejamos historiadores - o corpo marcado de História. A própria concepção de História é ausente de tal interpretação. No momento em que esse entendimento for absolvido por grande parte dos historiadores, a discussão sobre a cientificidade da História se apaziguara.
É sobre essa breve analise, ou até ingênua, que eu sugiro aos futuros historiadores que percebam o mundo em movimento. Analisem tudo aquilo que sempre nos pareceu coexistir à humanidade, inclusive o conceito do saber cientifico. História Ciência é somente um momento, um instante, uma emergência, ou ainda como gosta de expressar um Professor, é efêmera. Transgridamos, o historiador deve ir além daquilo que o retrai, que o limita.  
A base de toda a concepção moderna sobre o Homem é através da disciplina (disciplinar), seja nas escolas, nos hospitais, na prisão, etc. É sobre esse entendimento do corpo disciplinado, treinado, adestrado, que se puderam criar condições objetivas de uma possível analise do homem, do homem previsível. É dessa ilusão, tendo como base o homem moderno (disciplinado) – objeto -, que as chamadas Ciências Humanas acreditaram ser uma Ciência do Homem (Em outro momento esta breve apresentação será desenvolvida). A cientificidade acreditou ser capaz de prever, e estudar em sentido messiânico (marxismo ortodoxo) e taxonômico as ações humanas: o homem medieval, o homem moderno, o homem contemporâneo. Não é possível tal perspectiva de analise, é redutiva, é limitante.
A Ciência é civilizatória, é ordem, pragmatismo, permanência, é o estábulo dos desejos e das possibilidades, é a estagnação criativa em nome do progresso econômico. A Ciência é quantitativa, é somatória, é mercadoria. A História não. Ela é a fuga da barreira anticriativa, assim como as artes, a religião ou a filosofia. Ela é instrumento de crítica, de analise, ela é arma do oprimido e instrumento do opressor, ela é inimiga da Ciência por ser capaz de entendê-la, de condená-la. A História é o movimento do espírito crítico do homem, das possibilidades de avaliação e transformação da sociedade. Não será nunca o reino da permanência e da estagnação, ou ainda, da pueril verdade absoluta.

Um comentário:

  1. O homem sempre tenta sistematizar, definir conceitos e "facilitar" as coisas. Talvez nada seja ciência. Tudo é invenção. Convencionou-se chamar de ciência todo um processo. Isso ocorre com a história. Sendo assim, quando falam que história é uma ciência, é mais uma uma tentativa de tentar um enquadramento das coisas. Acho que a história é bem abrangente e por isso permite várias interpretações acerca da mesma.

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