Por Rafael Santana
Longe de qualquer obrigatoriedade de
conclusão, este texto, foi pensado a partir de uma inspiração indesejável. “Quem
imaginava que estaríamos aqui no fim do dia?" A frase de um amigo lamentava o
acaso de estarmos num hospital, quando, provavelmente, deveríamos estar na Universidade.
Este texto é a materialização de um dia conturbado. Consertando os dizeres do
senso comum: O futuro ao acaso pertence.
Obrigado a Anderson Rodrigues, Wayne Rodrigues, Matheus Amilton e Rodrigo
Lemos.
A capacidade de dominar
o instante em que as ações se submergem é o que transforma o animal em humanidade.
Negar a si mesmo é sentir o desprazer glorioso de ser superior. Não deixar ser totalmente
engolido pelo agora é o que nos
difere da natureza. Planejar, relembrar, memorizar, esquecer, representar,
objetivar... Ser, não é se não um
ininterrupto ter sido. Uma coisa que vive de se negar e de se contradizer a si
própria. As palavras de Nietzsche, talvez, expliquem a importância do marco
representativo da experiência humana que é absorver o passado. É, foi, será. O
tempo não é desconectado, os minutos se comunicam, as horas se entrelaçam.
A
noite é para o Homem moderno o momento do esclarecimento, da reposição, do fim
ao recomeço, projetar o outro dia é a sua função. A lógica contemporânea nos
obriga a delimitar nossas ações de acordo com o inicio e fim do tempo
mercadológico. Criticar passou a ser mérito dos ociosos. Computa-se cada
caminho que fazemos, cada coletivo que nos transportam, cada prazer que
desprezamos. As paisagens são retratos do cotidiano, contemplá-las não é mais o
deleite do viajante, mas desgosto do rotineiro. É no descanso que se planeja o
cansaço do amanhã.
O dia é um grande
enredo teatral. Eles são por inteiros, em Aristóteles, constituídos de começo,
meio e fim. Os enredos bem constituídos,
portanto, não devem começar nem terminar num ponto qualquer, ao acaso, mas servir-se
dos princípios referidos. Pensar as tragédias sobre o caráter das
peripécias, predizer a vida sob a identidade do devir, daquilo que altera as
ações, que danifica o pré-estabelecido, é fazer dessas narrativas um diálogo
incompreensível. É necessário então, para a beleza da obra residi-la sobre a
ordem, a História passa a ter com a ajuda cristã um enredo completo.
A
História tradicional foi escrita à noite sob a luz artificial da razão técnica.
O desgaste da narrativa positivista é justamente a incapacidade de perceber o
que está fora da rotina, do que está além do alivio que representa os
agendamentos. O historiador tradicional repousa na repugnância única em pensar
a diferença, em descrever os afastamentos, em desintegrar a forma tranquilizadora do idêntico. (Foucault.
Arqueologia do Saber).
A
civilização é um grande palimpsesto, poucos conseguem perceber o oculto dentro
da oficialidade, as versões negadas, as frases transparentes, as vozes sem
legendas e inaudíveis. A cidade moderna é fruto da projeção noturna dos
racionalistas. Limpeza, perfeição, ordenação, cotidiano, hábito, série, todas
essas palavras são sinônimos da mesma agressão. A História residia nestes
ambientes, ou então, nas gloriosas lutas que representavam o fardo do homem
branco. O dia nos revela aquilo que podemos ver, que é transparente,
comportado, que destrói toda potência.
A
função dos historiadores foi por muito tempo escrever uma história dos bem-educados,
talvez, pudéssemos denomina-la como a propaganda das nações. Uma linguagem
simbólica que relembrasse os feitos dos nossos governantes. O conhecimento
residia nestes locais limpos e corteses. A verdade é uma soberba que não frequenta
as imundices, ir além da iluminação artificial é perder-se. A madrugada da
cidade é palco de protagonistas desconhecidos, as prostitutas, os mendigos, os
vagabundos, os marginais, os estratificados.
Todas essas coisas não
podem aparecer na luz da Razão. Elas são tão necessárias ao seu estabelecimento
quanto protagonistas de sua própria destruição. Negá-las é a necessidade do continuísmo,
aflorar sua existência é questionar a perfectibilidade, o progresso, a beleza.
Hoje, não podemos mais ser absorvidos pela ligeireza das necessidades
capitalistas, ou ainda, sermos meras peças do projeto lógico. Devemos escavar
as vozes atropeladas pelo texto oficial. Decodificar o que sobrou da unidade. O
que não aparece no dia, mas que se esconde da noite não iluminada.
Pois é nobre Rafael, a História é feita a parti do inesperado, do repente, do surpreendente. O futuro estará sempre no campo do inimaginável para nós, seres mortais, embora sempre teimamos em nos anteciparmos achando que temos o poder sobre o curso da História. Grande engano!Estou preparando um texto que será publicado no nosso Amalgama que fala sobre o período entre as duas grandes guerras mundias, onde a surpresa dos nascimentos dos regimes totalitários resultando na Segunda Guerra demonstra que não temos poder sobre a História.
ResponderExcluirExcelente texto. E amigo Anderson, claro que não temos poder sobre a História. Se ela é construída-complexada por pessoas que não possuem domínio da sua própria micro-história. Somos redes interligadas de histórias que se cruzam, misturam, explicam e se transformam. Não sabemos perfeitamente e imparcialmente nossa história, como compreenderemos a História? Triste, penoso e recompensador trabalho o nosso de escavar, lapidar e apresentar História.
ResponderExcluirMuito obrigado Flávio, é um prazer muito grande ser contemplado com sua leitura. Convido o senhor a participar escrevendo pra nós, já vi alguns textos seus de seu blog, é um grande produtor de texto e de uma excelente oratoria, quando quiser fique a vontade para nos ler e escrever. Grande comentário sobre a dificuldade de entedermos a nossa própria totalidade, aliás, a impossibilidade de nos conhecermos. Obrigado mais uma vez. Anderson, não agradeço, você é um de nós, tem obrigação. kkkkk. Valeu gente.
ResponderExcluirkkk...será um imenso prazer escrever neste blog. Vou escrever assim que tiver tempo e inspiração. Obgdo pelos elogios apesar de não merecê-los. Grato mesmo!
ResponderExcluirTraçar o dia e contemplar o inimaginável...
ResponderExcluirTraçar o dia e contemplar o inimaginável...
O belo título quase me faz esquecer-se de algumas coisas. Quase me faz acreditar que se trata de mais um bom texto seu. Porém, você trata logo mostrar que não na dedicatória. É mais que um bom texto. É a transformação de algo ruim em algo afável. Canalizando experiências.
Por melhor que o texto esteja – o segundo e terceiro parágrafo estão perfeitos, já lhe disse várias vezes isto, eu preferiria que o fato inspirador nunca tivesse ocorrido. Acho que você me entende.
A História, indo mais a fundo, é mesmo a construção das possibilidades. Do esperado e do inesperado. Ambos se confundem e a mistura dos dois a completa, ou mesmo a forma. Não só ela, mas a vida. E o que é História se não a interpretação da vida (humana) e suas implicações? Dos acontecimentos, sejam eles grandiosos ou os vistos como banais. O historiador assume a responsabilidade de registrar e interpretar tais fatos e o faz a seu modo. De acordo com suas convicções, sua formação, seus interesses. Descreve, interpreta, destaca. Acentua propositalmente o que julga importante.
O criticar, o pensar diferente, acaba sendo um doce dissabor que perpetua a magia histórica. Tal ofício, então, faz-se essencial.
Traçar o dia é tarefa das mais comuns na vida. É algo extremamente indispensável nos atuais padrões de vida. A vida é o planejar. Contemplar o inimaginável pode ser tarefa inimaginavelmente inesperada. Poucos conseguem refletir sobre o acaso previamente. E, consumado o acaso, pensar sobre ele nem sempre é tarefa das mais confortáveis. O homem prefere, para conseguir viver, para caracterizar-se, não esperar o inesperado. Negá-lo é o que se faz, mesmo torcendo escondido, talvez à noite, para que, se vier, venham como bons acasos. Fato muito compreensível. É mais cômodo planejar. Mais humano.
“A História é imprevisível”, não sei quem falou, mas creio que seja verdade. Na verdade, na vida e na Historia (que aqui acabaram se confundindo? Talvez) não sabemos o que, de fato, aconteceu. Imaginamos. Tampouco saberemos o que vai acontecer. Torçamos então para que boas surpresas venham e acrescentem benesses.
Seu comentário foi fantástico. Compartilhamos uma experiência desagradável, que hoje, nos apresenta muito mais afável, talvez, esta seja uma das importâncias da História, re-apresentar o passado, re-criá-los.
ResponderExcluirfico lisonjeado de ter a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de seu pensamento. Percebo claramente os conceitos benjaminianos pulsando em seu texto, principalmente na sua proposta de uma história escrita a contrapelo, que vai além da iluminação artificial da razão técnica, na madrugada escura onde os agentes de um "sub-mundo" que agem corriqueiramente e são relegados ao esquecimento.
ResponderExcluirSua crítica à ordem,colocando-a ao status de agressão, me deixa inquieto, mas entendo onde você quer chegar, discordo, mas respeito sua opinião.
Abraço fraterno
Estevam Machado